Outubro ou nada
"Outubro ou nada
Ou tudo ou sangue
Outubro ou tumba
Outubro ou pão
Outubro ou túnel de emoção”
Affonso Romano de Sant’Anna
Durante algum tempo, convivi em uma casa cuja família tinha duas filhas. A mais velha era histriônica, brava, briguenta, mimada. A mais nova era calma, amorosa, pacífica. A primeira infernizava a vida da segunda, que normalmente aceitava as provocações calada. Vez ou outra, porém, a paciência chegava ao limite. A caçula retrucava e o jantar virava um inferno.
Os pais, que pareciam criar os filhos para o próprio conforto e bem-estar, interrompiam o entrevero. Como não queriam se posicionar na briga para não ficar mal com uma ou outra, sob um ar aparentemente — apenas aparentemente, insisto — democrático e justo, repreendiam as duas igualmente. O mesmo castigo para ambas. Não importava se a segunda apenas reagia às insistentes e insuportáveis provocações da primeira, depois de semanas aguentando quieta as malcriações da irmã. É muito mais cômodo assim. Não se enfrenta de fato a situação. Toma-se de antemão que ambas estão igualmente erradas e não fica mal com ninguém, ainda que a mais jovem já pudesse ter sido canonizada por tolerar a irmã histérica por tanto tempo sem qualquer tipo de reclamação ou insurgência.
O Colégio São Luís também era meio assim. Se dois meninos — desculpe se isso lhe parece uma questão de gênero; não é, pois esse tipo de coisa vinha dos meninos mesmo — entrassem em qualquer tipo de discussão, advertência ou suspensão igual para os dois. Não importava se o diabo em forma de gente estava infernizando a vida do outro bem comportado, que apenas depois de muita provocação reagiria ao pequeno Mefistófoles.
Talvez seja uma característica brasileira, inclusive enaltecida com frequência. Somos tão pacificadores, tão receptivos, hospitaleiros, carinhosos, não queremos ficar mal com ninguém.
“Quanto tempo não te vejo. Vamos marcar um jantar?” “Claro, a gente combina.” A resposta na verdade significa, na melhor das hipóteses: “Olha, eu ate gostei de te encontrar, mas não a ponto de realmente marcar de jantar com você. Sabe, nada contra, acho você razoável. Só não neste nível de sair pra jantar e tal”. “A gente combina” significa qualquer coisa menos a real marcação deste jantar.
“Você vai no meu aniversário, né?” “Claro, vou dar uma passada.” Essa última resposta também conhecida como “não vou nem a pau”.
Evitamos qualquer tipo de conflito, mesmo que meramente retórico ou que apenas represente uma negativa de um convite, que, quero crer, seja prerrogativa de uma sociedade democrática. Eu posso não querer jantar com aquela pessoa que não vejo há séculos, com quem muito provavelmente entraremos naquele silêncio constrangedor. Quero evitar aqueles segundos em que convivo internamente com as autoindulgências: “Por favor, surja alguma coisa pertinente para eu falar com este cidadão”.
Mas não é porque você não trata um problema que ele deixa de existir. Tergiversando da verdade, ela acaba se voltando contra nós. Não repreender a filha mais velha de maneira mais rígida implica ferir a equidade vertical. Tratemos igual os iguais, mas diferente os diferentes. Há aqui um incentivo a continuar a ser uma chata e malcriada, porque a punição é a mesma da irmã adequada.
A simpatia, a cordialidade e o afeto brasileiros são lindos. Contudo, por vezes essas características escondem um outro traço da nossa personalidade, que é a recusa de se lidar com situações difíceis, de manter conversas duras, de olhar nos olhos do interlocutor e de dar-lhe uma notícia desagradável de forma honesta, sem dourar a pílula. Precisamos enfrentar os dilemas, sabendo que isso vai implicar o desgosto de determinados grupos de interesse.
A falta de capacidade em arbitrar conflitos cobra seu preço na forma de ajuste fiscal. A dificuldade de se avançar com o Renda Cidadã, por exemplo, decorre sobretudo do não reconhecimento do Executivo de que o dinheiro vai precisar sair de algum lugar, ou seja, de algum grupo hoje beneficiado. A alternativa é furar o teto de gastos. Aliás, talvez esse seja o maior mérito do teto de gastos — ao menos enquanto ele existir, formaliza-se a ideia de que agradar um novo grupo via gasto fiscal vai exigir desagradar outro.
Como muito bem lembrou Marcos Lisboa em coluna recente, “a opção do Palácio do Planalto por não enfrentar dilemas cobrou, mais uma vez, a sua fatura. A proposta para financiar a expansão do Bolsa Família resultou na piora dos preços dos ativos e das taxas de juros”.
Em boa entrevista recente ao NeoFeed, o gestor Luiz Parreiras, da Verde Asset, trouxe o assunto sob ótica parecida: “o conflito fiscal já está colocado há vários meses. O governo por ‘ene’ razões não quis tomar decisões duras. O próprio presidente tem falado que não vai mexer no seguro defesa, no abono, no reajuste das aposentadorias, no funcionalismo público, não vai mexer em nada. Então, o dinheiro tem que sair de algum lugar. Na segunda-feira, eles falam ‘então vou mexer no precatório e no Fundeb”. O mercado olha aquilo e pensa ‘o que você vai fazer é uma espécie de contabilidade criativa ou, como algumas pessoas colocaram, é a volta das pedaladas’”.
Chamo atenção para a necessidade de se enfrentarem os assuntos difíceis de frente porque não há mais tempo a perder. Havemos de ir contra a nossa própria natureza não beligerante e desenvolver a capacidade de endereçar os dilemas, sabendo que teremos choro e ranger de dentes de determinados grupos de interesse. Temos de avançar em nossa habilidade de desagradar quando necessário. O governo não é, ou não deveria ser, uma fábrica de benesses, mas justamente alguém que arbitra conflitos e faz escolhas que implicam renúncias.
Como destacou Luiz Fernando Figueiredo, da Mauá, em seu LinkedIn: voltamos a flertar com o precipício.
O mercado se dá conta dos riscos e cobra a conta. Se não fizermos algo rápido, possivelmente enfrentaremos restrições à rolagem de dívida no começo de 2021, dado o elevado volume de títulos vencendo, e disparada adicional do câmbio, que poderia bagunçar os balanços de empresas com dívida em dólar, destruir os lucros de importadores e chegar a patamares que necessariamente implicassem algum tipo de repasse cambial para a inflação. Isso seria terrível, pois obrigaria o Banco Central a subir a taxa de juros de forma intensa e nos jogaria muito possivelmente num processo recessivo intenso.
Felizmente, consigo enxergar uma boa notícia neste quadro, uma espécie de luz no fim do túnel. Ou, pelo menos, o túnel. Se não é da nossa natureza enfrentar conflitos de frente, também não me parece ser o caráter explosivo — não combina nem com a nossa personalidade. O herói duplamente preguiçoso não é dado a extremos. Entendo inclusive que a segunda característica sobrepuja a primeira.
Vejo alguns pequenos sinais nessa direção.
Voltamos a falar com mais vigor sobre a agenda de reformas, em particular da tributária, que, por definição, é a síntese da arbitragem de conflitos. Havemos de tirar de algum Estado ou de uma classe para dar para outros. Ainda que me pareça improvável fazê-la neste ano, os esforços nesse sentido são louváveis. Prorrogamos o prazo para 10 de dezembro e ainda estamos no jogo.
Paulo Guedes e Rodrigo Maia, depois de muito tempo, e sabe-se lá por quanto tempo, voltaram a falar a mesma língua. E essa é a língua do interesse nacional, não dos egos, que também depois de muito tempo estiveram em segundo plano com os pedidos de desculpas recíprocos.
Em paralelo, cobrávamos uma posição do presidente Jair Bolsonaro na batalha campal pública entre Rogério Marinho e Paulo Guedes. Não havia como acender uma vela para deus e outra para o diabo ao mesmo tempo, não necessariamente nessa mesma ordem. Segundo relata a imprensa, o presidente o teria feito nesse final de semana, ao dizer que não tem nenhum substituto para Paulo Guedes, mas tem uns 20 para Marinho. O recado está dado.
Para completar, pela primeira vez vi ontem uma admissão pública de formulador da política econômica sobre impactos materiais da política ambiental (ou da falta dela) sobre a atração de capital internacional. Roberto Campos Neto disse à CNN ter ouvido de investidores críticas nessa direção, o que explicaria, entre outras coisas, o fato de o Brasil ter capturado menos capital externo do que outros emergentes diante da recuperação dos mercados desde maio. Para enfrentar um problema, o primeiro passo é reconhecê-lo.
Se resolvermos enfrentar de frente os problemas, o espaço para melhora do preço dos ativos, também por conta do potencial começo da maior atração do capital internacional, seria brutal. O tempo, porém, urge. Outubro ou nada.
No balanço das horas: Payroll, eleições e mais… Confira as notícias que movimentam os mercados e mexem com seus investimentos hoje
O payroll, como é conhecido o relatório mensal sobre o mercado de trabalho dos EUA, é uma das referências do Federal Reserve para a condução de sua política monetária
Por que a Gerdau acertou mais uma vez ao segurar aquele caminhão de dividendos que todos estavam esperando
Um ano depois, a Gerdau continua ensinando os analistas sobre a gestão disciplinada de recursos que diferencia as boas empresas do mercado
Precisamos falar sobre indicadores antecedentes: Saiba como analisar os índices antes de investir
Com o avanço da tecnologia, cada vez mais fundos de investimentos estão utilizando esses indicadores em seus modelos — e talvez a correlação esteja caindo
Rodolfo Amstalden: Encaro quase como um hedge
Tenho pensado cada vez mais na importância de buscar atividades que proporcionem feedbacks rápidos e causais. Elas nos ajudam a preservar um bom grau de sanidade
Day trade na B3: Oportunidade de lucro de mais de 4% com ações da AES Brasil (AESB3); confira a recomendação
Identifiquei uma oportunidade de swing trade baseada na análise quant – compra dos papéis da AES Brasil (AESB3). Saiba os detalhes
Setembro em tons de vermelho: Confira todas as notícias que pesam nos mercados e impactam seus investimentos hoje
O mês de setembro começa com uma imensa mancha de tinta vermelha sobre a tela das bolsas mundiais, sentindo o peso do Fed, da inflação recorde na zona do euro e do lockdown em Chengdu
A febre dos NFTs passou, mas esta empresa está ganhando dinheiro com eles até hoje
Saiba quem foram os vendedores de pás da corrida do ouro dos NFTs e o que isso nos ensina para as próximas ondas especulativas
Balanço de agosto, o Orçamento de 2023 e outros destaques do dia
A alta de 6,16% do Ibovespa em agosto afastou o rótulo de “mês do desgosto”, mas ainda assim deixou um sabor amargo na boca. Isso porque depois de disparar mais de 10% ainda na primeira quinzena, impulsionado pela volta do forte fluxo de capital estrangeiro, as últimas duas semanas foram comandadas pela cautela. Uma dupla […]
Day trade na B3: Oportunidade de lucro acima de 4% com ações da Marcopolo (POMO4); confira a recomendação
Identifiquei uma oportunidade de swing trade baseada na análise quant – compra dos papéis da Marcopolo (POMO4). Saiba mais detalhes
Tente outra vez: basta desejar profundo para ver a bolsa subir? Confira tudo o que mexe com os seus investimentos hoje
Em queda desde a sexta-feira, as bolsas de valores estrangeiras começaram o dia em busca de recuperação singela. Por aqui, investidores procuram justificativas para descolar o Ibovespa de Wall Street
Commodities derrubam Ibovespa, Itaú BBA rebaixa a Petrobras (PETR4) e as mudanças na WEG (WEGE3); confira os destaques do dia
As últimas levas de notícias que chegam de todas as partes do mundo parecem ter jogado os investidores dentro de um labirinto de difícil resolução em que apenas a cautela pode ser utilizada como arma. O emaranhado de corredores a serem percorridos não só são longos, como também parecem estar sempre mudando de posição — […]
Gringos estão de olho no Ibovespa, mas investidor local parece sem apetite pela bolsa brasileira. Qual é a melhor estratégia?
É preciso ir contra o consenso para gerar retornos acima da média, mesmo que isso signifique correr o risco de estar errado
Entenda por que você não deve acompanhar só quem possui teses de investimento iguais às suas
Parte fundamental do estudo de uma ação é entender não só a cabeça de quem tem uma tese que vá em linha com a sua, mas também a de quem pensa o contrário
Day trade na B3: Oportunidade de lucro acima de 11% com ações da Santos Brasil (STBP3); confira a recomendação
Identifiquei uma oportunidade de swing trade baseada na análise quant – compra dos papéis da Santos Brasil (STBP3). Saiba os detalhes
Uma pausa para respirar: Confira todas as notícias que movimentam os mercados e impactam seus investimentos hoje
A saída da atual crise inflacionária norte-americana passa necessariamente por algum sacrifício. Hoje, porém, as bolsas fazem uma pausa para respirar
Aperte os cintos: o Fed praticamente acabou com as teses de crescimento, e o fim do bear market rally está aí
Saída da atual crise inflacionária passa por algum sacrifício. Afinal, estamos diante de um ciclo econômico clássico e será preciso esfriar o mercado de trabalho
Ibovespa se descola da gringa, Itaú entra na disputa das vendas virtuais e a estratégia de Bolsonaro para os debates; confira os destaques do dia
Em Wall Street, o alerta do Federal Reserve de que o aperto monetário pode ser mais intenso do que o esperado penalizou as bolsas lá fora
Complacência: Entenda por que é melhor investir em ativos de risco brasileiros do que em bolsa norte-americana
Uma das facetas da complacência é a tendência a evitar conflitos e valorizar uma postura pacifista, num momento de remilitarização do mundo, o que pode ser enaltecido agora
Day trade na B3: Oportunidade de lucro acima de 5% com ações do Grupo Pão de Açúcar (PCAR3); confira a recomendação
Identifiquei uma oportunidade de swing trade baseada na análise quant – compra dos papéis do Grupo Pão de Açúcar (PCAR3). Veja os detalhes
Mercados, debate presidencial e um resultado inesperado: Confira todas as notícias que mexem com os seus investimentos hoje
Com a percepção de que o Fed optará pelo combate à inflação a todos os custos, os últimos dias de agosto não devem trazer alívio para os mercados financeiros. O Ibovespa ainda repercute o primeiro debate entre presidenciáveis
Por que saber demais pode tornar você um péssimo chefe
Apesar de desenvolvermos uma compreensão mais sofisticada da realidade como adultos, tendemos a cair em armadilhas com muito mais frequência do que gostaríamos de admitir
Wall Street tomba com Powell, os melhores momentos de Lula e Bolsonaro no Jornal Nacional e outros destaques do dia
Desde que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) anunciou o início da retirada dos estímulos monetários adotados na pandemia, durante o simpósio de Jackson Hole de 2021, o mercado financeiro global já se viu obrigado inúmeras vezes a recalcular a rota, e todas elas parecem levar a um destino ainda incerto, mas muito […]