O que se aprende diante disso?
É nessas horas de grande estresse que você faz seus home runs, comprando coisas muito boas a preços extremamente descontados. Uma das coisas a se aprender neste momento é: aproveite os momentos raríssimos em que o quality fica barato.

Carol Dweck, famosa, entre outras coisas, por sua defesa do “mindset de crescimento”, propõe uma reflexão importante para momentos como esses: o que eu posso aprender a partir daqui?
É relevante que a pergunta se coloque agora. Ler e falar sobre momentos adversos é uma coisa. Vivê-los na pele é outra, bem diferente. “The Man in the Arena” me vem à cabeça, aquela obra-prima de Roosevelt.
À sua maneira, lembra o programa de cinco passos de Ray Dalio. Encare de frente seus problemas, não terceirize responsabilidades, reflita sobre seus erros a partir de uma justa autoavaliação e trace um plano de ação, que inclusive formará princípios sistemáticos para utilização futura.
Isso passa, necessariamente, pela preocupação em se fazer o certo, o que é bem diferente do que preocupar-se com a própria reputação. Como diz Taleb, a reputação é para os escravos. Faça o certo e a reputação virá como consequência, no decorrer do curso da História. A verdade é filha do tempo. A própria Carol Dweck (voltando a ela) tem uma observação parecida: um dos maiores erros dos executivos acontece quando eles passam a se preocupar com a autoimagem, em vez de estarem obstinados em fazer o apropriado pela sua companhia.
Dado o preâmbulo, proponho humildemente a reflexão: o que podemos aprender aqui?
Certamente, poderíamos escrever um doutorado sobre isso — essa crise é um MBA (muito melhor do que os existentes por aí) acelerado. Mas vou me ater a algumas questões mais centrais:
1. Be first, be smarter or cheat (and I don’t cheat) — Resumo: seja rápido
Há um bordão clássico em Wall Street: if you are going to panic, panic first (ou “panic early”, as duas versões são admitidas; “se você vai entrar em pânico, entre em pânico antes dos outros”).
Leia Também
Rodolfo Amstalden: Escute as feras
Felipe Miranda: Do excepcionalismo ao repúdio
Gosto dele. Mas, sinceramente, prefiro a mesma mensagem nas palavras do personagem de Jeremy Irons no filme “Margin Call”, que me parecem mais imagéticas e, portanto, tendem a ficar mais registradas em nossas mentes ávidas por histórias, narrativas e retóricas críveis: “There are three ways to make a living in this business; be first, be smarter, or cheat. Now, I don't cheat. And although I like to think we have some pretty smart people in this building, it sure is a hell of a lot easier to just be first”.
Em resumo, você pode ser mais rápido, mais esperto ou trapacear. Considerando, por razões óbvias, que trapacear está fora de cogitação, até podemos tentar ser mais espertos do que o mercado, mas isso vai ser bastante difícil porque há um bocado de gente esperta, muito rica e preparada aí fora, disposta a tudo. Ser um investidor superior à média (bater o mercado) é um campeonato de Fórmula 1. Resta ser mais rápido.
Quando querem, agora, dizer que a atual crise era previsível ou passível de antecipação, discordo. Conforme muito bem resumiu André Jakurski em colocação recente, “todo mundo que fez previsão queimou a língua. Dois meses atrás, todos os analistas garantiam que não haveria recessão nos EUA”. Peço permissão para completar: e o faziam justamente porque os fundamentos postos à mesa apontavam nessa direção — com efeito, os PMIs globais apontavam aceleração na margem.
Mesmo os poucos que estavam pessimistas com a economia global incorreram no clássico “atirou no que viu e acertou o que não viu”. Ninguém estava projetando os impactos do coronavírus ou o novo choque do petróleo, por uma razão simples: eles não existiam. E, no mundo em que nós vivemos, não há como enxergar o que não existe.
Contudo, eu não tergiverso sobre meus erros. Ao contrário, talvez seja eu próprio o primeiro a apontá-los, porque vivo em constante (obsessivo e até um pouco perturbador) autoquestionamento.
Aceito e compactuo com a crítica de que demoramos alguns dias para adotar uma postura mais conservadora e defensiva em nossas carteiras. Prezando pela diversificação, pelo devido gerenciamento de risco e pelas proteções em nossas carteiras (um conceito que, aliás, sempre foi muito pouco difundido entre as pessoas físicas brasileiras e pegamos como nossa principal bandeira), já tínhamos recomendadas posições em dólar e ouro em nossos portfólios, de maneira estrutural.
Desde o começo da semana passada, porém, elevamos essa exposição (até aqui pelo menos, acertadamente) e diminuímos a posição líquida comprada em ações brasileiras (não confundir com uma aposta na queda; apenas reduzimos a posição líquida comprada, como gestão de risco diante de tamanha incerteza global). Considero essa atitude apropriada dada a provável recessão mundial à nossa frente e os possíveis problemas de risco daí derivados (a verdade é que ninguém sabe o que pode acontecer com o mundo e suas condições financeiras se simplesmente desligarmos as economias por dois meses).
De todo modo, poderíamos ter agido antes nessa postura mais defensiva e conservadora. Reconheço isso e compactuo com o apontamento, sem tergiversar.
Em nossa defesa, no entanto, o que em nada muda o erro e a demora, pontuo que: i) que seja de meu conhecimento, fomos a única casa de research a agir no sentido de propor uma alocação tão grande em dólar e ouro e a diminuir a posição comprada líquida em ações; e ii) era bastante difícil reagir rápido ao vírus, porque, a rigor, ninguém sabia muito bem seus efeitos. Como muito bem disse Ray Dalio, não sabíamos como tradar o vírus; então, resolvemos ficar parados estudando, tentando entender os potenciais desdobramentos. Foram poucos dias, mas, dada a intensidade do movimento, a não reação imediata trouxe custos a todos. E, quando falo “a todos”, não é força de expressão. Mesmo os maiores investidores de ações brasileiros se manifestaram favoravelmente à Bolsa brasileira àquela altura, entrevistas foram dadas pelos grandes gênios dos multimercados na mesma direção. Howard Marks, tido como “guru" de Buffett, veio por igual caminho e o próprio Buffett argumentou para não vender ações diante da crise do coronavírus.
2. Aprenda a cortar na própria carne: se o mundo muda, eu mudo minhas opiniões, e você?
Um dos maiores erros do investidor, principalmente se ele escreve suas teses (porque é obrigado a escrever por dever de ofício), é ficar apegado a opiniões antigas diante de uma nova situação. Atribui-se a alguém famoso a frase: se o mundo muda, eu mudo de opinião, e você? Não sei quem falou isso, mas também não importa. Faz sentido.
A somatória do espraiamento do coronavírus com o choque do petróleo (sem contar uma potencial crise doméstica diante da uma falta de habilidade do Planalto em lidar com a situação em curso) é uma situação absolutamente nova e inesperada. Isso requer, claro, uma postura nova.
Não importa o preço que você pagou em nenhuma ação. Se você pagou R$ 100 e ela está R$ 10, ou se você pagou R$ 1 e ela está R$ 10, a única pergunta relevante é: “esta é a melhor ação daqui pra frente?”. Só importa o futuro. Corte na própria carne se for preciso. Se há uma outra ação com perspectivas mais favoráveis, com uma matriz risco-retorno melhor do que a sua sob a devida margem de segurança, troque agora mesmo. Não importa se você está no lucro ou no prejuízo. Isso só é relevante para seu próprio ego. Mas egos não podem entrar neste campo. Só atrapalham. Admita para si o erro e vá recuperar em outra. O menor prejuízo é o menor. Esses R$ 10 podem virar R$ 5 amanhã se você continuar naquela ação ruim. Ou podem virar R$ 15 se você migrar para outra melhor.
Se você for vendendo só as ações com lucro e carregando aquelas com prejuízo, vai terminar com uma consequência absolutamente nefasta: uma carteira de micos na mão no longo prazo. É um desdobramento lógico.
3. Aproveite o momento para rever, criteriosamente, seu portfólio
Warren Buffett tem uma provocação clássica: se você não consegue ver uma ação caindo 50%, por favor, não compre. Aquilo não foi feito para você.
Então, sempre que encontro uma pessoa disposta a investir em ações pela primeira vez, pergunto (sim, é a pura verdade): o que aconteceria se esta ação caísse 50%?
Todos, nesse momento da pergunta, são unânimes em responder: “Imagina, não aconteceria nada. Estou preparado”.
Platonicamente, no mundo das metáforas e das ideias, é mais fácil responder. Quando você passa, na pele, aquilo é que vale o teste.
Olhe para a sua carteira agora. Verifique se o tamanho das posições está de acordo com seu perfil. Veja se você adotou a necessária e defendida diversificação, inclusive geográfica. Aproveite o momento para jamais esquecer da necessidade de ter proteções em seu portfólio.
4. Keep calm and carry on (Fique calmo e siga em frente)
O famoso pôster britânico “Keep calm and carry on” é tido por muitos como uma propaganda inglesa para elevar o moral de sua população diante do bombardeio nazista na Segunda Guerra. Embora os posters, de fato, tenham sido impressos, eles acabaram não sendo usados, por uma proibição direta de Churchill.
Para ele, era importante que as pessoas não entrassem em pânico, sim, mas, ao mesmo tempo, Churchill também queria passar a mensagem sobre a necessidade de agir, de se proteger, de não ficar atônito, de pensar na sobrevivência. Os paralelos com a guerra não me parecem coincidência. Tamanho isolamento social e tamanha disrupção de cadeias produtivas só foram vistas em cenários de guerra. O foco agora é na sobrevivência. Não há outro. Depois pensaremos no resto. Esse é o certo a se fazer.
5. A paciência e as raras oportunidades
Evidentemente, o lado humanitário e civil é o mais importante nessa hora. Contudo, com a licença de pensar por dois minutos exclusivamente como financista (peço desculpas por isso, mas é meu dever aqui), há um pequeno lado bom dessa história: são nessas horas que surgem as raras oportunidades de comprar coisas absurdamente boas por preços muito baratos. E quando elas surgem, precisamos aproveitar.
Além de uma postura mais conservadora e defensiva nos portfólios, o certo a se fazer, agora pensando especificamente no âmbito das ações, é migrar em direção ao quality. Aproveitaremos o repique de hoje, que deve trazer uma alta mais vigorosa em nomes beta, para adicionar nomes de extrema qualidade que ficaram muito baratos, no Carteira Empiricus e também no Palavra do Estrategista.
Como diz Howard Marks, é nessas horas de grande estresse que você faz seus home runs, comprando coisas muito boas a preços extremamente descontados. Uma das coisas a se aprender neste momento é: aproveite os momentos raríssimos em que o quality fica barato.
E, por fim, preciso terminar com outro importante ensinamento de Carol Dweck, voltando a ela: o poder do ainda. Sempre adicione um “ainda" aos elementos e às situações de fragilidade ou aos seus defeitos. “Eu não sou um bom programador de python, ainda.” Isso sintetiza o potencial de desenvolvimento à frente. Nós não achamos que seja a hora de migrar pesadamente para o risco, ainda.
Rodolfo Amstalden: As expectativas de conflação estão desancoradas
A principal dificuldade epistemológica de se tentar adiantar os próximos passos do mercado financeiro não se limita à já (quase impossível) tarefa de adivinhar o que está por vir
Felipe Miranda: Vale a pena investir em ações no Brasil?
Dado que a renda variável carrega, ao menos a princípio, mais risco do que a renda fixa, para se justificar o investimento em ações, elas precisariam pagar mais nessa comparação
Rodolfo Amstalden: Para um período de transição, até que está durando bastante
Ainda que a maior parte de Wall Street continue sendo pró Trump, há um problema de ordem semântica no “período de transição”: seu falsacionismo não é nada trivial
Tony Volpon: As três surpresas de Donald Trump
Quem estudou seu primeiro governo ou analisou seu discurso de campanha não foi muito eficiente em prever o que ele faria no cargo, em pelo menos três dimensões relevantes
Dinheiro é assunto de mulher? A independência feminina depende disso
O primeiro passo para investir com inteligência é justamente buscar informação. Nesse sentido, é essencial quebrar paradigmas sociais e colocar na cabeça de mulheres de todas as idades, casadas, solteiras, viúvas ou divorciadas, que dinheiro é assunto delas.
Rodolfo Amstalden: Na esperança de marcar o 2º gol antes do 1º
Se você abre os jornais, encontra manchetes diárias sobre os ataques de Donald Trump contra a China e contra a Europa, seja por meio de tarifas ou de afrontas a acordos prévios de cooperação
Rodolfo Amstalden: Um Brasil na mira de Trump
Temos razões para crer que o Governo brasileiro está prestes a receber um recado mais contundente de Donald Trump
Rodolfo Amstalden: Eu gostaria de arriscar um palpite irresponsável
Vai demorar para termos certeza de que o último período de mazelas foi superado; quando soubermos, porém, não restará mais tanto dinheiro bom na mesa
Rodolfo Amstalden: Tenha muito do óbvio, e um pouco do não óbvio
Em um histórico dos últimos cinco anos, estamos simplesmente no patamar mais barato da relação entre preço e valor patrimonial para fundos imobiliários com mandatos de FoFs e Multiestratégias
Felipe Miranda: Isso não é 2015, nem 1808
A economia brasileira cresce acima de seu potencial. Se a procura por camisetas sobe e a oferta não acompanha, o preço das camisetas se eleva ou passamos a importar mais. Não há milagre da multiplicação das camisetas.
Tony Volpon: O paradoxo DeepSeek
Se uma relativamente pequena empresa chinesa pode desafiar as grandes empresas do setor, isso será muito bom para todos – mesmo se isso acabar impactando negativamente a precificação das atuais gigantes do setor
Rodolfo Amstalden: IPCA 2025 — tem gosto de catch up ou de ketchup mais caro?
Se Lula estivesse universalmente preocupado com os gastos fiscais e o descontrole do IPCA desde o início do seu mandato, provavelmente não teria que gastar tanta energia agora com essas crises particulares
Rodolfo Amstalden: Um ano mais fácil (de analisar) à frente
Não restam esperanças domésticas para 2025 – e é justamente essa ausência que o torna um ano bem mais fácil de analisar
Rodolfo Amstalden: Às vésperas da dominância fiscal
Até mesmo os principais especialistas em macro brasileira são incapazes de chegar a um consenso sobre se estamos ou não em dominância fiscal, embora praticamente todos concordem que a política monetária perdeu eficácia, na margem
Rodolfo Amstalden: Precisamos sobre viver o “modo sobrevivência”
Não me parece que o modo sobrevivência seja a melhor postura a se adotar agora, já que ela pode assumir contornos excessivamente conservadores
Rodolfo Amstalden: Banda fiscal no centro do palco é sinal de que o show começou
Sequestrada pela política fiscal, nossa política monetária desenvolveu laços emocionais profundos com seus captores, e acabou por assimilar e reproduzir alguns de seus traços mais viciosos
Felipe Miranda: O Brasil (ainda não) voltou — mas isso vai acontecer
Depois de anos alijados do interesse da comunidade internacional, voltamos a ser destaque na imprensa especializada. Para o lado negativo, claro
Felipe Miranda: Não estamos no México, nem no Dilma 2
Embora algumas analogias de fato possam ser feitas, sobretudo porque a direção guarda alguma semelhança, a comparação parece bastante imprecisa
Rodolfo Amstalden: Brasil com grau de investimento: falta apenas um passo, mas não qualquer passo
A Moody’s deixa bem claro qual é o passo que precisamos satisfazer para o Brasil retomar o grau de investimento: responsabilidade fiscal
Tony Volpon: O improvável milagre do pouso suave americano
Powell vendeu ao mercado um belo sonho de um pouso suave perfeito. Temos que estar cientes que é isso que os mercados hoje precificam, sem muito espaço para errar.