O que é antifrágil hoje no mundo dos investimentos?
Precisamos saber sobre nós e sobre o mundo, num momento em que, diferentemente do passado, há excesso de informação disponível. Depois do Google, todo mundo é inteligente.

Muitos temem que seus computadores e sistemas sejam hackeados por pessoas. Talvez devêssemos estar mais preocupados em ter pessoas sendo hackeadas por computadores e algoritmos.
Não quero ser repetitivo e voltar ao tema de ontem. Mas insisto na necessidade de pagarmos por boa informação, sob o risco de sermos nós mesmos o produto, delegando, sem perceber, a um sistema de computador as decisões sobre nós mesmos. Sem que nós notemos, eles podem ser capazes de dominar nossas vontades, desejos e atitudes.
O Google, a Amazon, o Facebook sabem muito sobre nós. Só há uma resposta à altura: temos também de nos conhecer com profundidade. Caso contrário, estaremos em desvantagem e eles vão acabar determinando nossos hábitos de consumo e de investimento.
Precisamos saber sobre nós e sobre o mundo, num momento em que, diferentemente do passado, há excesso de informação disponível. Depois do Google, todo mundo é inteligente.
Um dos maiores dilemas do investidor é saber o que ler e ao que assistir. Devemos dispor de tempo suficiente para termos a informação relevante, mas, numa infinidade de dados, opiniões e perspectivas, não perder nenhum tempo desnecessário com mapas errados ou temas irrelevantes. Há muito ruído entre os sinais, muito lixo em meio à real pesquisa, muito torcedor disfarçado de especialista. Gestão de recursos você faz intensamente ou você não faz. Informação de nível médio não vai ajudá-lo.
Entre as várias casas de research que leio, a Gavekal recebe sempre um carinho especial. Neste mês de setembro, Louis-Vincent Gave publicou um relatório muito interessante, batizado “Seeking Anti-Fragility”. Em linhas gerais, o objetivo era responder à seguinte questão: depois de décadas em que os Treasuries foram o grande hedge contra um crash do mercado de ações, qual seria a efetiva proteção agora, com viés prospectivo?
A primeira conclusão é que, atualmente, a única razão para se deter títulos de países desenvolvidos como um hedge seria com a pretensão de proteger-se de um choque deflacionário. Contudo, Gave pergunta: seria esse hedge necessário no momento, quando todos os formuladores de política econômica estão, conjuntamente e com todas as suas forças, lutando contra esse possível resultado? Ele lembra ainda de uma verdade um tanto simples: quanto mais sobrevalorizado está um ativo, mais frágil ele é (e os Treasuries de 10 anos pagam hoje um juro real negativo de mais de 1%).
Leia Também
Rodolfo Amstalden: Escute as feras
Felipe Miranda: Do excepcionalismo ao repúdio
Portanto, vamos atrás de alternativas.
Comecemos pelas big techs. Com crianças e adultos presos em casa, viciados em videogame (acréscimo meu: home broker incluído?), compras online e trabalho remoto, elas foram as grandes vencedoras da era da Covid. Desse modo, dado que há um risco de uma eventual segunda onda do vírus e da necessidade de as populações voltarem a ser trancadas em casa, carregar uma posição em big techs e empresas do setor de saúde surge como uma óbvia escolha de ativo antifrágil — alguém que se beneficiaria de novos potenciais lockdowns e quarentenas.
Uma segunda classe apontada pela Gavekal é a de energia alternativa, cujo desempenho durante a crise, mesmo quando o preço do petróleo, do gás natural e do carvão caiu bastante e supostamente diminuiu sua atratividade, surpreendeu de forma positiva. O mercado parece ter concluído que não importa para essa classe tanto quanta energia é produzida ou consumida, mas, sim, quanto dinheiro público está disposto a fluir para essa alternativa. Como a crise da Covid mostrou que não há limite para o quanto alguns governos estão dispostos a gastar com “projetos verdes”, o quanto pior a economia ficar, mais dinheiro deve ser impresso pelos bancos centrais, e parte dele deve fluir para as “máquinas verdes”. Mais gasto público em infraestrutura nos países desenvolvidos em momentos de depressão pode estar concentrado em energia limpa.
Caminhando de forma ortodoxa, os metais preciosos aparecem como uma terceira opção de ativo antifrágil — afinal, o ouro sempre foi um porto seguro clássico em momentos de desconfiança do valor da moeda fiduciária. Com tanta impressão monetária, os ativos fixos capazes de preservar valor no tempo tendem a se apreciar. A correlação do ouro é positiva com momentos de inflação e controle de capitais, como se teme para o futuro mediante à impressora dos BCs trabalhando 24x7. Na conta da Gavekal, assumindo que o Fed expanda seu balanço em US$ 5 trilhões neste ano e que a oferta de ouro seja acrescida de US$ 211 bilhões, a relação entre moeda adicionada no sistema relativa ao ouro será muito maior do que nos anos recentes. Basta que uma pequena quantia desse dinheiro injetado no sistema seja destinada ao ouro para seu preço continuar subindo. Divergências entre aumento da oferta monetária e na oferta de ouro, como a atual, ocorreram em 1970 e 2001, quando o ouro entrou num bull market plurianual. Resumindo, o ouro pode ser considerado antifrágil a choques inflacionários, ao descontrole dos déficits públicos e à explosão dos agregados monetários.
A quarta opção, que, confesso, na verdade é a razão desta coluna, se refere à China. Por muitos anos, seus ativos (bonds ou equities) apresentaram uma dinâmica própria, sem grande correlação com o restante do mundo — em si, isso já é um sinal positivo, pois a adição de um ativo não correlacionado em seu portfólio tende a reduzir seu nível de risco e preservar retorno potencial. Porém, como sabemos, a ausência de correlação não basta para considerarmos o ativo antifrágil. O ponto da Gavekal, que vem sendo defendido há cerca de um ano e meio, é de que estamos agora entrando possivelmente num divórcio entre EUA e China, num chamado “Clash of Empires”, em substituição à “Chimerica" — teríamos blocos econômicos separados, cada um com sua moeda de referência (dólar contra renminbi), sua referência de títulos soberanos, sua capital financeira (Nova York e Hong Kong) e, talvez mais importante, diferentes e segregadas cadeias de suprimento. Neste contexto, um aumento das tensões entre EUA e China poderia significar mais dinheiro fluindo para o país asiático, que ainda é “underowned” (as pessoas têm menos ativos chineses do que deveriam) nos portfólios globais, em particular se considerarmos essa rivalidade crescente com os EUA, com a China assumindo, quem sabe, maior protagonismo global. Daí a pergunta provocação da Gavekal: “Ter uma pequena posição em China, mesmo que somente como um hedge, não começa a fazer sentido?”. A China seria a resposta antifrágil a uma eventual fraqueza pronunciada e sustentada do dólar.
Eu sinceramente não sei se caminharemos para essa real separação entre os blocos — a reorganização das cadeias de suprimento globais teria efeitos bastante expressivos e há muitos interesses em jogo. Acho que nem a Gavekal sabe. Mas não é este o ponto. Ninguém sabe exatamente o que vai acontecer. A questão é que se trata de um cenário possível. Mais do que isso, deixe-me explorar o ponto sob outra perspectiva.
Desde o ano passado principalmente, impus a mim mesmo como uma de minhas incumbências prioritárias dar uma pequena contribuição aos assinantes para internacionalizar seus portfólios e diversificar seus investimentos entre moedas e geografias. Entendo que conseguimos dar alguns passos nessa direção. Muitos deles abriram suas contas na Avenue ou em alguma corretora lá fora, carregam posições em ações ou em REITs. Outros e com intersecção com o primeiro grupo, claro, investiram nos fundos da Vitreo com exposição ao exterior. Uma terceira parte tem comprado BDRs aqui mesmo na B3. Ótimo.
Entretanto, em conversas com esses investidores, apesar de notar esse importante avanço, é fácil perceber um excesso de concentração a ativos dos EUA e quase nenhuma exposição à Ásia. Se a China é hoje a segunda potência global, independentemente se vai rivalizar de frente ou não com os EUA, se vai ou não até mesmo ultrapassá-los, já deveríamos ter em nossos portfólios alguma exposição ao país asiático, dada sua relevância global. Por que hoje encontramos milhares de pessoas com ações de Apple, Amazon, Facebook, Microsoft, Alphabet, mas quase ninguém fala de Alibaba, Tencent, Baidu?
Atualmente, o brasileiro quase não tem exposição à Ásia. Assim, estamos alijados de todo o potencial de valorização associado a uma eventual ascensão adicional chinesa. Mais do que isso, ficamos despreparados para enfrentar um eventual cenário adverso de perda de importância relativa dos valores ocidentais e do dólar como única moeda de referência. Esse fator de risco preocupa e estamos totalmente sem proteção para ele.
Não precisamos aprender mandarim ou cantonês. Logo, logo estaremos equipados com algum app do Google Tradutor (ou seria da Tencent?) capaz de falar qualquer língua impecavelmente. Mas deveríamos estar equipados com alguma posição em China. Como diz Nassim Taleb, o pai da antifragilidade, não saber não significa não agir. “Understanding is a poor substitute for convexity”. O entendimento é um mau substituto para a convexidade e, portanto, para a própria antifragilidade. Como será que se escreve “X não é F(x)” em mandarim?
Rodolfo Amstalden: As expectativas de conflação estão desancoradas
A principal dificuldade epistemológica de se tentar adiantar os próximos passos do mercado financeiro não se limita à já (quase impossível) tarefa de adivinhar o que está por vir
Felipe Miranda: Vale a pena investir em ações no Brasil?
Dado que a renda variável carrega, ao menos a princípio, mais risco do que a renda fixa, para se justificar o investimento em ações, elas precisariam pagar mais nessa comparação
Rodolfo Amstalden: Para um período de transição, até que está durando bastante
Ainda que a maior parte de Wall Street continue sendo pró Trump, há um problema de ordem semântica no “período de transição”: seu falsacionismo não é nada trivial
Tony Volpon: As três surpresas de Donald Trump
Quem estudou seu primeiro governo ou analisou seu discurso de campanha não foi muito eficiente em prever o que ele faria no cargo, em pelo menos três dimensões relevantes
Dinheiro é assunto de mulher? A independência feminina depende disso
O primeiro passo para investir com inteligência é justamente buscar informação. Nesse sentido, é essencial quebrar paradigmas sociais e colocar na cabeça de mulheres de todas as idades, casadas, solteiras, viúvas ou divorciadas, que dinheiro é assunto delas.
Rodolfo Amstalden: Na esperança de marcar o 2º gol antes do 1º
Se você abre os jornais, encontra manchetes diárias sobre os ataques de Donald Trump contra a China e contra a Europa, seja por meio de tarifas ou de afrontas a acordos prévios de cooperação
Rodolfo Amstalden: Um Brasil na mira de Trump
Temos razões para crer que o Governo brasileiro está prestes a receber um recado mais contundente de Donald Trump
Rodolfo Amstalden: Eu gostaria de arriscar um palpite irresponsável
Vai demorar para termos certeza de que o último período de mazelas foi superado; quando soubermos, porém, não restará mais tanto dinheiro bom na mesa
Rodolfo Amstalden: Tenha muito do óbvio, e um pouco do não óbvio
Em um histórico dos últimos cinco anos, estamos simplesmente no patamar mais barato da relação entre preço e valor patrimonial para fundos imobiliários com mandatos de FoFs e Multiestratégias
Felipe Miranda: Isso não é 2015, nem 1808
A economia brasileira cresce acima de seu potencial. Se a procura por camisetas sobe e a oferta não acompanha, o preço das camisetas se eleva ou passamos a importar mais. Não há milagre da multiplicação das camisetas.
Tony Volpon: O paradoxo DeepSeek
Se uma relativamente pequena empresa chinesa pode desafiar as grandes empresas do setor, isso será muito bom para todos – mesmo se isso acabar impactando negativamente a precificação das atuais gigantes do setor
Rodolfo Amstalden: IPCA 2025 — tem gosto de catch up ou de ketchup mais caro?
Se Lula estivesse universalmente preocupado com os gastos fiscais e o descontrole do IPCA desde o início do seu mandato, provavelmente não teria que gastar tanta energia agora com essas crises particulares
Rodolfo Amstalden: Um ano mais fácil (de analisar) à frente
Não restam esperanças domésticas para 2025 – e é justamente essa ausência que o torna um ano bem mais fácil de analisar
Rodolfo Amstalden: Às vésperas da dominância fiscal
Até mesmo os principais especialistas em macro brasileira são incapazes de chegar a um consenso sobre se estamos ou não em dominância fiscal, embora praticamente todos concordem que a política monetária perdeu eficácia, na margem
Rodolfo Amstalden: Precisamos sobre viver o “modo sobrevivência”
Não me parece que o modo sobrevivência seja a melhor postura a se adotar agora, já que ela pode assumir contornos excessivamente conservadores
Rodolfo Amstalden: Banda fiscal no centro do palco é sinal de que o show começou
Sequestrada pela política fiscal, nossa política monetária desenvolveu laços emocionais profundos com seus captores, e acabou por assimilar e reproduzir alguns de seus traços mais viciosos
Felipe Miranda: O Brasil (ainda não) voltou — mas isso vai acontecer
Depois de anos alijados do interesse da comunidade internacional, voltamos a ser destaque na imprensa especializada. Para o lado negativo, claro
Felipe Miranda: Não estamos no México, nem no Dilma 2
Embora algumas analogias de fato possam ser feitas, sobretudo porque a direção guarda alguma semelhança, a comparação parece bastante imprecisa
Rodolfo Amstalden: Brasil com grau de investimento: falta apenas um passo, mas não qualquer passo
A Moody’s deixa bem claro qual é o passo que precisamos satisfazer para o Brasil retomar o grau de investimento: responsabilidade fiscal
Tony Volpon: O improvável milagre do pouso suave americano
Powell vendeu ao mercado um belo sonho de um pouso suave perfeito. Temos que estar cientes que é isso que os mercados hoje precificam, sem muito espaço para errar.