O Brasil em que eu acredito, da Nova Economia
As ações das empresas norte-americanas de tecnologia já não estão muito esticadas?

"I was the Walrus
But now I'm John
And so dear friends
You just have to carry on
The dream is over”
God — John Lennon
“As ações das empresas norte-americanas de tecnologia já não estão muito esticadas?”
Tenho escutado essa pergunta com frequência desde que introduzimos papéis do segmento na Carteira Empiricus. A resposta, como não poderia deixar de ser, tem sido a mesma: “Sim, estão. Há uns cinco anos pelo menos. E só sobem”.
O que será que está por trás do fenômeno? Poderíamos explicar essa aparente dicotomia com algum argumento racional, além de simples acusações de que o mercado vive uma euforia, de que há exagero no apreçamento ou coisa assim? Em outras palavras, por que as big techs parecem sempre caras e ficam cada vez mais caras?
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De imediato, há, sem dúvida, todo um aspecto quality que as poderia ligar à argumentação de Philip Fisher e Charlie Munger. São fortes geradoras de caixa, além de já possuírem uma posição de caixa enorme (uma coisa é o fluxo, outra é o estoque) e um balanço forte, tem marcas reconhecidas, notáveis barreiras à entrada, managements competentes, etc.
Mas é só isso? Não existiria algum elemento fora do arcabouço de valuation tradicional associado a essas grandes empresas de tecnologia?
Entendo que sim. E acho que, nesse aspecto, Leibniz e Newton, os precursores do cálculo diferencial e integral, têm algo a nos oferecer além de Buffett e Graham. Não vamos transformar isso aqui num exercício de integrais, derivadas e limites. Apenas recuperemos a essência do que é uma curva exponencial.
Nela, o começo do eixo x implica um impacto pequeno de crescimento sobre o eixo y. Contudo, a partir de um determinado ponto, pequenos incrementos sobre as abcissas acarretam uma explosão nas coordenadas. No limite, quando a variável do eixo x aumenta muito, vamos para o infinito no eixo y.
Trazendo para nossa realidade, as grandes empresas de tecnologia são a representação canônica das organizações exponenciais. É somente a tecnologia que permite uma escala brutal, com custo marginal de expansão quase zero. Aqui, há uma forte tendência ao monopólio natural, a margens enormes e a uma dinâmica de “vencedor leva tudo”. Não à toa, você vê um grande mecanismo de busca, um único player dominando as redes sociais e outro caminhando para vencer o War do e-commerce global — a capa da Economist desta semana é especialmente emblemática.
Você começa a usar o Google, que, por sua vez, mapeia os seus hábitos e facilita sua próxima busca. Ao perceber a sua atividade facilitada, você entra de novo no Google, que melhora ainda mais o conhecimento a seu respeito. O mecanismo vai se retroalimentando. As buscas e os anúncios vão, no tempo, convergindo para um match perfeito com suas preferências. Não há razão para usar outro mecanismo de busca.
As redes sociais, por sua vez, sofrem e se beneficiam, claro, das externalidades de rede. Só faz sentido haver uma rede social grande se todo mundo estiver lá. A tendência à concentração é da natureza do negócio. A natureza da coisa empurra ao monopólio, pois ninguém vai querer estar numa rede social de que poucos participam. E lá vai o Face dominar tudo, seja por ele mesmo, seja pelo Instagram.
Quais as consequências de um crescimento grande no tempo, com consolidação de mercado e baixo custo marginal de expansão?
Ora, se, para simplificar aqui o argumento, é basicamente impossível competir com a Amazon (porque ela é mais capitalizada, possui mais informação do cliente, domina a melhor logística, tem uma cadeia mais integrada, além, claro, de um gênio obstinado no comando do leme), ela tende a dominar o mercado. Conforme o tempo passa, ela tem mais mercado, mais informação do cliente, mais escala, mais tecnologia. Há uma aceleração da própria taxa de crescimento. Bingo! Chegamos na curva exponencial.
Qual a consequência de uma curva exponencial de lucros sobre os valuations?
Quanto mais o mercado percebe essa natureza exponencial da trajetória, maior precisará ser o múltiplo atual.
De maneira simples, imagine que a assíntota (um número suficientemente grande) ocorra no ano 100, quando o eixo x (no caso, o tempo) está bem em seu ponto direito extremo. Pela construção de uma curva exponencial, o eixo y (no caso, o lucro) estará no infinito (o lucro converge para infinito conforme o tempo converge para o infinito). Se o mercado for minimamente eficiente e antecipar no ano 99 o lucro do ano 100, a relação Preço sobre Lucro do ano de 99 deverá ser muito alta. Isso vai acontecer porque o lucro projetado para o ano 100 será infinito. Logo, a relação Preço sobre Lucro projetada para o ano 100 vai convergir para zero (qualquer número dividido pelo infinito converge para zero). Assim você consegue explicar múltiplos de curto prazo bem altos para empresas de tecnologia e ainda assim comprá-las.
Em termos práticos, há duas soluções razoáveis para valuation.
Você estica o horizonte temporal dos múltiplos para ao menos cinco anos à frente, sem abusar demais das premissas de crescimento e tenta enxergar aí atratividade dos múltiplos.
Você abandona a abordagem de múltiplos e vai para um modelo de fluxo de caixa descontado, em que basicamente supõe três cenários à frente, calibrando o grau de otimismo entre eles, supondo que a companhia vai abocanhar lá na frente um determinado nível de share de mercado.
Quando você sai de uma abordagem linear e vai para uma perspectiva exponencial, os múltiplos de curto prazo acabam funcionando como um mapa errado. Múltiplos baixos, muito possivelmente, significam uma companhia cujas projeções estão caindo no tempo, em vez de significarem atratividade no valuation. Ao mesmo tempo, relações elevadas podem significar uma trajetória de aceleração do crescimento à frente, com aquilo que parece caro sendo na verdade barato em alguns anos.
A questão central é que o mundo atual não é da linearidade, das caminhadas bem-comportadas, de mercados livres e com vários players dividindo market share. Ao contrário, é justamente um ambiente de muita tecnologia, exponencialidade e “winner takes all” (o vencedor leva tudo).
Cada vez mais vai ser assim. Precisamos nos adaptar. A Nova Economia vai ganhar cada vez mais espaço nas carteiras dos investidores. Aquele Brasil velho de commodities, de bancos oligopolistas, das praças de alimentação lotadas nos self-services dos shoppings acabou. Feliz ou infelizmente, ninguém vai vir aqui comprar CSN, Usiminas e coisas parecidas. Esse sonho acabou e devemos seguir em frente. “You just have to carry on. The dream is over.”
A parte boa dessa história é que temos aqui empresas simplesmente fantásticas já inseridas nessa Nova Economia, com empreendedores competentes e tecnologia embarcada. A turma vai vir comprar Stone, Magalu, B3, BTG, B2W/LAME, XP e coisas parecidas. Nossas carteiras, cada vez mais, precisam caminhar nessa direção. O tempo da História só anda num único sentido.
Encerro com dois devaneios a respeito.
O primeiro sobre XP: o desafio aqui é tornar-se cada vez mais tecnológica, exponencial e digital sem concorrer com seus próprios parceiros analógicos. A nova ferramenta de alocação, feita pelo mais do que competente Felipe Dexheimer, tem tudo para dar certo; e para competir de frente com as sugestões dos agentes autônomos.
O segundo sobre Itaú: aqui também acho que a turma pode comprar. Porque é quase um win/win situation. Se banco grande não for muito afetado por fintech e conseguir imprimir um novo ciclo de crédito, vamos ganhar dinheiro pela atividade bancária tradicional. Se for o contrário e as fintechs dominarem, XP vai ficar cada vez mais relevante no balanço e isso vai ser levado para o preço, num movimento que, inclusive, já começou na semana passada. E o devaneio dos devaneios: Itaú vira minoritário da Stone, coloca a Rede pra dentro para ser tocada pela brilhante gestão da Stone (o André Street é um gênio!) e faz um movimento semelhante àquele da Porto Seguro. Melhor ter algo do líder do que muito do que não vale nada.
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