Nunca aposte contra a América, mas ajuste suas posições — e tenha menos bancos
Quando há muita incerteza e uma dispersão grande de resultados possíveis à frente, você diminui posições, diversifica, monta pequeno, não alavanca, aumenta o nível de paciência

O discreto e, arrisco dizer, introspectivo Warren Buffett causou polêmica nas redes sociais nesse fim de semana, ainda que delas não participe. Hoje, tudo vira polêmica nas redes sociais, mesmo na voz passiva. O silêncio das compras de Buffett se transforma em barulho dos torcedores.
Na noite de sexta-feira, foi informada a venda parcial de suas posições em Goldman Sachs e JP Morgan, o suficiente para confrontá-lo com as recentes declarações de nunca apostar contra a América. Segundo argumenta-se, o otimismo de longo prazo não combinaria com a venda de posições neste momento. Será?
O contrário de negativo não é neutro. É positivo. O contrário de frágil não é resistente ou robusto. É antifrágil. O contrário de comprado é vendido (short). “Não aposte contra a América” é diferente de “aposte a favor da América agora” ou “compre ações”.
Ao diminuir posições e calibrar seu portfólio, Buffett parece estar apenas se ajustando, adequadamente, a uma nova realidade, mais dura e com valuations que não sugerem refletir com propriedade toda a distribuição de probabilidades à frente. Primeiro, com a zeragem na posição das aéreas, em que fica mais evidente a deterioração estrutural do cenário, com o superdimensionamento da oferta (e elevados custos e despesas fixos) perante a nova demanda projetada. Agora, com os bancos, quando se flerta com as dificuldades dos juros potencialmente negativos e do ambiente mais adverso para crédito, somados à ameaça das fintechs e do risco de nova turbulência financeira.
Está tudo alinhado às melhores práticas de gestão de recursos. Não deveria haver surpresa ou histeria. Vale para a ótica individual, da análise de uma ação em particular, e também para a gestão de portfólio como um todo. Uma lição de livro-texto. Isso nos leva ao Day One da última quarta-feira. Como prometido, este aqui é uma continuação daquele, ainda que não precise necessariamente ser entendido assim.
Com a crise disparada pelo novo coronavírus, não é somente o preço que está mudando, mas também o valor intrínseco das coisas. E, se o valor intrínseco piora muito mais do que o preço, a decisão inclina-se mesmo para a venda. As referências de barato e caro não podem se apoiar apenas no preço, mas, sim e sempre, na comparação entre preço e valor intrínseco. Cotação frente ao cenário para os fluxos de caixa associados ao respectivo ativo. Uma determinada ação pode ser barata a 30 e cara a 20, basta que o novo ambiente imponha uma forte deterioração para suas atividades.
Leia Também
Rodolfo Amstalden: Escute as feras
Felipe Miranda: Do excepcionalismo ao repúdio
Em termos mais gerais e menos idiossincráticos, ao se fazer gestão de portfólio, carregam-se posições maiores conforme haja maior convicção na respectiva tese. E como ter grande convicção se não há visibilidade? Não se trata de competência ou capacidade de análise. Talvez até o contrário. Conforme já escrevi aqui, os mais informados estão cheios de dúvidas, e os desinformados cheios de certezas. Quanto mais se estuda, mais se constata o não saber. O paradoxo socrático da ignorância. Ninguém sabe a real melhor estratégia para enfrentar a crise sanitária (só os torcedores, claro, militantes de ambos os lados; esses têm certeza de cada passo exato sobre o que é acertado), a hora precisa de relaxar o distanciamento social, quando atingiremos o pico de contágio no Brasil, quem vai quebrar no meio do caminho, qual a resposta de política fiscal ótima, como a política monetária deve reagir, qual a profundidade da recessão, como será a volta. Não sabemos. Ninguém sabe. E ponto.
E o que você faz quando não sabe? “A diversificação é a arma daqueles que não sabem o que estão fazendo.” A frase é do próprio Warren Buffett. Muitas vezes ela é usada para dar um contorno negativo à diversificação. Mas é justamente o contrário. Ela é a nossa maior ferramenta para o momento.
Quando há muita incerteza (fora dos charlatões que sabem exatamente o que vai acontecer) e uma dispersão grande de resultados possíveis à frente, você diminui posições, diversifica, monta pequeno, não alavanca, aumenta o nível de paciência (expande o horizonte temporal e tolera menores retornos, porque não vai querer acelerar demais numa curva acentuada em plena tempestade).
E quando você aumenta? Em duas situações, basicamente. Quando há menor incerteza e você tem mais convicção, sem que o cenário esteja inteiramente refletido nos preços. Ou quando há muita incerteza, mas os preços caíram muito. Em outras palavras, para aceitar comprar algo mesmo com muitos riscos à frente, o investidor vai exigir um maior prêmio de risco. Compra-se mais caro com mais certeza ou muito mais barato com mais incerteza. Não temos nenhuma das condições agora — a verdade é que os múltiplos das Bolsas norte-americanas estão maiores agora do que eram no pré-crise, de modo que a decisão fundamentalista clássica, rigorosamente em linha com o “Warren Buffett Way”, apontaria mesmo para a redução das posições.
Conforme o investidor amadurece, ele vai perdendo certas expectativas ingênuas. Talvez apenas estejamos velhos. Talvez Buffett tenha ficado velho e assim tenha também envelhecido com ele todo seu instrumental. Será? Eu ainda gosto do bom e velho rock’n’roll. “What a drag it is getting old”, lamenta Mick Jagger.
Rodolfo Amstalden: As expectativas de conflação estão desancoradas
A principal dificuldade epistemológica de se tentar adiantar os próximos passos do mercado financeiro não se limita à já (quase impossível) tarefa de adivinhar o que está por vir
Felipe Miranda: Vale a pena investir em ações no Brasil?
Dado que a renda variável carrega, ao menos a princípio, mais risco do que a renda fixa, para se justificar o investimento em ações, elas precisariam pagar mais nessa comparação
Rodolfo Amstalden: Para um período de transição, até que está durando bastante
Ainda que a maior parte de Wall Street continue sendo pró Trump, há um problema de ordem semântica no “período de transição”: seu falsacionismo não é nada trivial
Tony Volpon: As três surpresas de Donald Trump
Quem estudou seu primeiro governo ou analisou seu discurso de campanha não foi muito eficiente em prever o que ele faria no cargo, em pelo menos três dimensões relevantes
Dinheiro é assunto de mulher? A independência feminina depende disso
O primeiro passo para investir com inteligência é justamente buscar informação. Nesse sentido, é essencial quebrar paradigmas sociais e colocar na cabeça de mulheres de todas as idades, casadas, solteiras, viúvas ou divorciadas, que dinheiro é assunto delas.
Rodolfo Amstalden: Na esperança de marcar o 2º gol antes do 1º
Se você abre os jornais, encontra manchetes diárias sobre os ataques de Donald Trump contra a China e contra a Europa, seja por meio de tarifas ou de afrontas a acordos prévios de cooperação
Rodolfo Amstalden: Um Brasil na mira de Trump
Temos razões para crer que o Governo brasileiro está prestes a receber um recado mais contundente de Donald Trump
Rodolfo Amstalden: Eu gostaria de arriscar um palpite irresponsável
Vai demorar para termos certeza de que o último período de mazelas foi superado; quando soubermos, porém, não restará mais tanto dinheiro bom na mesa
Rodolfo Amstalden: Tenha muito do óbvio, e um pouco do não óbvio
Em um histórico dos últimos cinco anos, estamos simplesmente no patamar mais barato da relação entre preço e valor patrimonial para fundos imobiliários com mandatos de FoFs e Multiestratégias
Felipe Miranda: Isso não é 2015, nem 1808
A economia brasileira cresce acima de seu potencial. Se a procura por camisetas sobe e a oferta não acompanha, o preço das camisetas se eleva ou passamos a importar mais. Não há milagre da multiplicação das camisetas.
Tony Volpon: O paradoxo DeepSeek
Se uma relativamente pequena empresa chinesa pode desafiar as grandes empresas do setor, isso será muito bom para todos – mesmo se isso acabar impactando negativamente a precificação das atuais gigantes do setor
Rodolfo Amstalden: IPCA 2025 — tem gosto de catch up ou de ketchup mais caro?
Se Lula estivesse universalmente preocupado com os gastos fiscais e o descontrole do IPCA desde o início do seu mandato, provavelmente não teria que gastar tanta energia agora com essas crises particulares
Rodolfo Amstalden: Um ano mais fácil (de analisar) à frente
Não restam esperanças domésticas para 2025 – e é justamente essa ausência que o torna um ano bem mais fácil de analisar
Rodolfo Amstalden: Às vésperas da dominância fiscal
Até mesmo os principais especialistas em macro brasileira são incapazes de chegar a um consenso sobre se estamos ou não em dominância fiscal, embora praticamente todos concordem que a política monetária perdeu eficácia, na margem
Rodolfo Amstalden: Precisamos sobre viver o “modo sobrevivência”
Não me parece que o modo sobrevivência seja a melhor postura a se adotar agora, já que ela pode assumir contornos excessivamente conservadores
Rodolfo Amstalden: Banda fiscal no centro do palco é sinal de que o show começou
Sequestrada pela política fiscal, nossa política monetária desenvolveu laços emocionais profundos com seus captores, e acabou por assimilar e reproduzir alguns de seus traços mais viciosos
Felipe Miranda: O Brasil (ainda não) voltou — mas isso vai acontecer
Depois de anos alijados do interesse da comunidade internacional, voltamos a ser destaque na imprensa especializada. Para o lado negativo, claro
Felipe Miranda: Não estamos no México, nem no Dilma 2
Embora algumas analogias de fato possam ser feitas, sobretudo porque a direção guarda alguma semelhança, a comparação parece bastante imprecisa
Rodolfo Amstalden: Brasil com grau de investimento: falta apenas um passo, mas não qualquer passo
A Moody’s deixa bem claro qual é o passo que precisamos satisfazer para o Brasil retomar o grau de investimento: responsabilidade fiscal
Tony Volpon: O improvável milagre do pouso suave americano
Powell vendeu ao mercado um belo sonho de um pouso suave perfeito. Temos que estar cientes que é isso que os mercados hoje precificam, sem muito espaço para errar.