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Eu também não sabia

Quando perceberemos, em definitivo, que os investidores precisam dos artistas, e que os artistas precisam de investimentos?

30 de novembro de 2020
11:46 - atualizado às 11:57
teatro

“Eu não sabia que tinha pessoas assim no mercado financeiro, gente que se preocupava com essas coisas. Nossa, eu estava muito errada.”

Ela estava errada mesmo. E certa ao mesmo tempo. Cirurgicamente certa.

Não poderia começar este texto de forma diferente para falar da peça “A Alma Imoral”, que tivemos o privilégio de ver na última sexta-feira, em companhia dos nossos assinantes World Class, no Jockey. Dentro de nossos carros, sintonizados na frequência certa no rádio, pudemos ouvir Clarice Niskier representar com brilhantismo as reflexões propostas no livro original do rabino Nilton Bonder. As ambivalências e os paradoxos, nossas coisas mais profundas e interessantes, quando foi que os perdemos?

Em mais uma impossibilidade lógica, a peça é atemporal e atual ao mesmo tempo. Cada vez mais, debruçados sozinhos sobre nossos smartphones, convivemos com algoritmos que nos empurram para reforçar as já concebidas próprias convicções. Vamos cavando dentro de nós mesmos, esquecendo-nos da necessidade de olhar o outro, mesmo aquele que habita dentro de nós. Sem a diversidade, ficamos cada vez menos interessantes, empobrecidos de nossos próprios temas, já tão cansados e conhecidos.

As aspas iniciais descrevem minha conversa com Clarice ao final da peça, quando pudemos debater por alguns minutos. Ela estava surpresa com nosso interesse pelo teatro, por filosofia, pela sensibilidade trazida pela arte. Percebeu-se surpresa em ver como o mercado financeiro estava tão interessado no seu trabalho, tão sensível e tão “cabeçudo”. Eu lhe expliquei que não era bem assim. Aquilo ali não era uma boa representação do mercado. Nós que éramos bichos meio diferentes mesmo.

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Nossa, são tantas coisas…

De fato, não acho que qualquer outra empresa da Faria Lima ou do Leblon faria um evento como esse nosso. Começamos com o presidente da B3, com o uniforme típico exigido pelo formalismo institucional do cargo; terminamos com a nudez de uma atriz de alma imoral — curiosamente, ambos judeus. Unimos pela primeira vez duas gerações da família Giannetti; embora o filho não carregue o sobrenome do pai, preserva suas virtudes intelectuais. Trouxemos alguns dos melhores gestores de ações e multimercados do país, para conversar no mesmo dia de discussões construtivas com Fernanda Torres e Luiz Felipe Pondé, Amyr Klink e José Roberto Guimarães — meu Deus, e que conversas interessantes!

Para mim, ninguém resumiu melhor o quanto a esquerda se perdeu do que Fernanda Torres. Por que passamos tanto tempo discutindo o nome do terceiro banheiro? “Me passa o isqueirx?” Inauguramos agora um profundo debate para definirmos o gênero do isqueiro — sob o risco, claro, de sermos acusados de querer impor um gênero, seja ele qual for, ao isqueiro. Soube que ele ainda não se sente à vontade para decidir se tem ou não um gênero.

E quanta coisa pudemos aprender sobre liderança… Abilio Diniz me lembrou da importância de líderes humanizados, capazes de ouvir e de se colocar no lugar do outro, sem, no entanto, desviar-se para o campo da falsidade e de uma pseudoamizade forçada do “líder amigão”.

Sergio Rial relacionou liderança com gerenciamento de expectativas críveis dos liderados. Amyr Klink ressaltou a importância de compartilhamento de méritos mesmo de projetos que parecem bastante individuais — o velejador isolado precisou do eletricista para o barco, dos engenheiros e de tantos outros. E como, de algum modo, ele é talebiano, né? “O planejamento é um organismo vivo.” De certa maneira, precisamos nos planejar para as surpresas. Nesse aparente paradoxo, tudo que podemos saber é que coisas inesperadas vão acontecer, e precisamos estar prontos para endereçá-las, ainda que, por definição, não possamos saber ex-ante quais serão as surpresas pelo meio do caminho.

José Roberto Guimarães, se pararmos para pensar, ganhou o respeito dos jogadores da seleção masculina de vôlei quando cometeu um erro. Ele invadiu a quadra para “elogiar a mãe” de um jogador cubano que sorrateiramente tocara na rede para fazer parecer ter ocorrido uma infração brasileira. Zé tomou o cartão vermelho. Perdemos o ponto e colocamos o jogo em risco. Ali, quando ele deixou o front e se colocou ao lado dos seus, infringindo o que seria a cartilha protocolar e indo além do limite, ele conquistou o grupo.

Ouvimos os gestores de ações respeitando o “rotation trade”, mas se mantendo fiéis a seus casos mais estruturais e a sua própria filosofia. Preferimos seguir em nossa travessia rumo à África, sabendo que haverá pequenas intempéries no meio do caminho, leves desvios de rota. Se seguirmos o plano, bateremos na África. Eneva, Natura, Cosan/Rumo… continua o jogo.

E para mostrar de vez que 2020 é realmente um ano atípico, Rogério Xavier está otimista! Não com o Brasil, claro, porque aí já seria pedir demais. Com seu brilhantismo típico, Rogério se mostrou construtivo com as Bolsas americanas e outros ativos de risco, diante de tanta liquidez e do prognóstico de aceleração do crescimento. Ainda entre os gestores macro, André Jakurski (e que privilégio falar com ele em papo tão descontraído!) acha o câmbio brasileiro depreciado e os juros longos altos, mas prefere não encostar nisso — “na calculadora, você vende/aplica no juro; mas se olhar o passado, você fica de fora”. Ele ainda gosta de algumas ações brasileiras, mas não se empolga tanto com o índice como um todo.

Então, chegamos na peça. Se só a Empiricus poderia trazê-la ao mercado financeiro, por que fazê-lo? Não seria muito estranhamento?

Já há nesse raciocínio um motivo importante. A pessoalidade importa em Bolsa, aquilo que lhe é único e intransferível. Você pode assistir ao Messi cobrando uma falta. Ele pode ensiná-lo em detalhes seu processo mental e físico. Conseguiremos bater uma falta igual a ele? Do mesmo modo, jamais poderemos investir igual a Warren Buffett. Podemos, sim, aprender, melhorar, chegar perto ou até copiá-lo com alguma defasagem. Mas nunca seremos iguais, porque a riqueza mesmo está no conhecimento tácito, em algo impossível de ser estruturado e formalizado. O investidor precisa encontrar o próprio caminho.

Também há na associação entre investimento e arte algo importante. Isso aqui tem muito de científico, mas não é pura ciência. Envolve, assim como o cientista Alan Blinder definiu sobre a política monetária, muita arte também. A sensibilidade de distinguir entre o “value” e o “value trap”, o que é um case efetivamente barato e o que é uma armadilha de valor.

Em linhas gerais, a peça é sobre isso. A capacidade de alinhar a tradição e a transgressão, o formalismo e a intuição, Dionísio e Apolo. O bom investidor obedece à sua própria alma, ao mesmo tempo que está atento a limites de risco, à moralidade das restrições objetivas. A dificuldade está sempre em ponderar risco e retorno, teimosia e persistência, conservadorismo e arrojo, paciência e lentidão. Como descobrir a linha do caminho do meio, onde fica a virtude aristotélica, se ela não está desenhada em lugar algum?

Há uma falsa defesa da especialização para um gestor de portfólio. Afinal, sua carteira, seja de ações ou multimercados, será impactada por uma infinidade de elementos. O mundo se conecta para determinar se agora é “rotation trade” ou “tecnologia/e-commerce, stay at home” — os temas do momento, para usar um termo de André Jakurski, só poderão ser identificados a partir de uma abordagem sistêmica. E mesmo os lucros das empresas, que guiam as ações no longo prazo, também são determinados por uma gama ampla de fatores. Como saber de bancos sem estudar tecnologia e política monetária? E como saber de tecnologia sem estudar ética e grandes tendências globais? Política monetária envolve, necessariamente, macroeconomia, cujo entendimento requer estudo de história, geografia (demografia, por exemplo) e ciência. Em outras palavras, repertório e erudição são fundamentais, tanto para rigor metodológico quanto para habilidade em conectar os pontos.

E para provar que as coisas estão mesmo conectadas, acabei esbarrando com a reflexividade de George Soros no meio do caminho, com as coisas se influenciando reciprocamente. “Eu sou daquelas pessoas que investe na poupança, Felipe. Você precisa me ajudar.” A ideia era que Clarice Niskier pudesse nos ajudar, arejar nossas cabeças — o que ela fez com perfeição. Acabamos descobrindo que poderíamos ajudá-la também.

Quando perceberemos, em definitivo, que os investidores precisam dos artistas, e que os artistas precisam de investimentos?

A peça nos traz mais perguntas do que respostas. Ainda bem.

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