Como o ketchup de goiaba orgânico deve mudar radicalmente seu jeito de investir em ações
Gestor de ações globais da Verde, Artur Wichmann, mostra como os avanços tecnológicos devem afetar a sua forma de avaliar empresas (e também a do Buffett)
O que tira o sono do responsável pela estratégia global de ações do multimercados Verde? A tecnologia. Artur Wichmann dedica boa parte do seu tempo a entender como os avanços tecnológicos devem mudar a nossa forma de selecionar ações hoje. E diz nunca ter visto nada parecido em seus 25 anos de carreira.
Leia a seguir a entrevista exclusiva dele para o Seu Dinheiro:
Como os avanços tecnológicos devem mudar o nosso jeito de investir em ações?
Essa é uma discussão muito interessante do que está acontecendo agora na economia americana e global. Tem um trem passando que é quase único na minha carreira – e eu faço isso há 25 anos. A gente está vendo uma mudança de paradigma de negócios, o surgimento de um novo modelo. Isso é estrutural, secular, tem a ver com tecnologia e muda a forma de você investir de verdade.
Em que sentido?
Vamos lá. Por que o Jorge Paulo (Lemann) começa um dos seus discursos mais famosos dizendo que ele é um dinossauro apavorado? Durante um longo período a lógica que norteou grande parte das empresas de consumo de massa – de cerveja, ketchup, biscoito, lâmina de barbear... – foi a de um mercado em que a demanda não oscila muito. Então a grande preocupação era se tornar mais eficiente. Ao se tornar mais eficiente, a companhia aumentaria a sua margem e teria mais caixa para se consolidar no setor. Era um mundo confortável, de marcas antigas, nada mudando muito. Se você focasse em ser muito eficiente, tudo estaria bem. O que mudou?
A chegada da tecnologia...
Sim. E a tecnologia em que sentido? Pense em uma empresa que produz ketchup. Existia um grande intermediário entre ela e o consumidor: o setor formal de varejo. Imagine que eu e você descobrimos um jeito bacana de fazer um ketchup fantástico de goiaba orgânico em uma fazendinha aqui perto. Você ia bater lá no varejo formal? No Walmart, no Pão de Açúcar? Eles te responderiam: "Quantos milhões de litros você consegue me entregar?".
Eu diria que não consigo!
E ele te mandaria voltar quando conseguisse produzir milhões. Com o advento da Amazon e afins, o consumidor consegue descobrir a nossa marca de ketchup orgânico e existe a logística disponível para entregar esse produto – falando dos EUA, né? O surgimento de marcas pequenas regionais focadas, de nicho, começa a aparecer em tudo quanto é lugar. Lembre-se dos dois investimentos do Buffett que ficaram icônicos: Coca-Cola e Gillette.
O caso do Dollar Shave Club é um exemplo claro do que eu estou falando: um camarada chegou à conclusão de que gastava dinheiro demais com o refil da Gillette. Com um vídeo de 10 mil dólares no Youtube e com a proposição de entregar na casa do cliente o refil por uma fração do preço da Gillette, ele criou um negócio que, com 18 funcionários, foi vendido por mais de US$ 1 bilhão pra Unilever. E conseguiu deslocar o market share de lâminas de barbear, que era estável nos EUA há 50 anos.
Os grandes gate keepers entre as marcas de consumo e o consumidor se deparam agora com uma nova forma de se relacionar. Você tem uma mudança do paradigma de negócio.
E um novo paradigma de investimento, consequentemente, né?
Sim. Por quê? Porque a fórmula do Buffett de "compre empresas com barreiras à entrada gigantes", como marca, escala... Hoje a sua escala e sua marca já não são mais barreiras à entrada tão grandes, como não foram para a Gillette no caso do Dollar Shave Club. Então a tecnologia é uma grande destruidora de barreiras à entrada.
Então a saída é investir em empresas de tecnologia agora?
Eu não quero ser dogmático aqui e dizer: só invista em empresas de tecnologia. Também tem risco nelas, porque a tecnologia muda rápido. E agora ainda há a possibilidade de risco regulatório. O grande risco das empresas de tecnologia é o programador da garagem. O Bill Gates falava isso: meu medo não é a IBM, é o programador da garagem. Foi assim que surgiu a Microsoft, o Facebook, a Google... E a tecnologia é dinâmica o suficiente para que esse risco seja real. Você conhece a história do J.P. Getty?
Não...
J.P. Getty era o dono da maior fortuna nos EUA na virada da década de 50 para 60. Perguntaram uma vez pra ele: "Como é que se fica rico? Qual é a fórmula do sucesso?" Ele respondeu: "É fácil. Acorde cedo, trabalhe duro e ache petróleo". A nova fórmula de sucesso é a seguinte: "Acorde cedo, trabalhe duro, acumule dados e seja capaz de analisá-los".
É como se a nova função de produção fosse a seguinte: quem é capaz de acumular dados sobre preferências do consumidor, dados de produção, dados de circulação de bens e mercadorias vai conseguir monetizar esses dados de forma mais eficiente no futuro.
Dados são o novo petróleo, a nova eletricidade, a matéria-prima por meio da qual a gente vai gerar valor.
Então na hora de investir você tem que se preocupar em encontrar empresas que estão atentas aos dados?
Isso. Exatamente isso.
E quais setores estão mais atrasados nisso?
Na minha visão, o setor de consumo tem muito a aprender ainda, tanto as varejistas quanto as fabricantes.