O BC até pode cortar a Selic em 2020, mas deixou claro que o ciclo está perto do fim
O Copom deixou a porta aberta para mais um corte de 0,25 ponto na Selic em 2020. E, ao não se comprometer com o próximo passo, o BC passou a mensagem de que a onda de reduções nos juros está quase terminando
Ao ler a decisão de juros do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), tive a sensação inicial de que a instituição havia assumido uma postura ambígua. A instituição cortou a Selic em mais 0,5 ponto, atingindo uma nova mínima histórica de 4,5% ao ano, mas, ao falar do futuro, a linguagem assumida me pareceu... escorregadia.
Em certos momentos, o colegiado mostrava-se aberto a promover mais cortes nos juros — algo como uma redução de 0,25 ponto no início de 2020; em outros, o tom era de cautela, inclinando-se à manutenção da Selic nos níveis atuais por um período mais prolongado.
E, sabendo que incerteza é sinônimo de turbulência para os mercados, entrei em contato com economistas e outros agentes financeiros para saber se eles estavam incomodados com essa dualidade. A resposta, para minha surpresa, foi não: a comunicação do BC, na verdade, foi elogiada.
As leituras foram todas na mesma direção: o Copom cumpriu bem o papel de ancorar a expectativa dos mercados ao sinalizar que o ciclo de cortes na Selic está perto do fim. Passar essa mensagem com clareza era o principal desafio da autoridade monetária — e a tarefa foi concluída com sucesso.
"Estamos no fim do ciclo e a política monetária está numa fase de sintonia fina", diz Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos. "Não tem sentido se comprometer [com o próximo passo], o BC só faz isso quando o ciclo está no começo ou no meio, mas, no fim, a melhor atitude é deixar em aberto".
E "deixar em aberto" foi exatamente o que o BC fez. A instituição deixa claro que o cenário econômico no Brasil tem evoluído, mas também diz enxergar fatores de risco no horizonte, tanto domésticos quanto internacionais.
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Considerando as duas variáveis — e as expectativas traçadas pelo relatório Focus —, o Copom vê espaço para mais uma redução de 0,25 ponto no início do ano que vem, levando a taxa para 4,25% ao ano. No entanto, a instituição projeta juros a 4,5% ao fim de 2020, o que implicaria numa elevação futura caso esse corte inicial se concretize.
Por outro lado, o Banco Central afirmou que o atual estágio do ciclo econômico "recomenda cautela na condução da política monetária". Ou seja: mesmo esse possível corte de 0,25 ponto não está garantido — a única certeza é que o fim do ciclo está próximo.
Mensagens ao mercado
"Essa ancoragem é importante para não ter nenhum fio desencapado no mercado de juros nesta quinta-feira (12)", diz o economista-chefe da Journey Capital, Victor Candido.
Para ele, os DIs devem iniciar a sessão em baixa, especialmente os com vencimento em janeiro de 2020, que ainda não precificavam a possibilidade de corte de 0,25 ponto na Selic — essas curvas fecharam a sessão desta quarta-feira (11) a 4,45%.
Quanto ao mercado de câmbio, Candido acredita que o dólar não deve sofrer oscilações muito drásticas, por mais que a Selic tenha caído 0,50 ponto e os juros nos Estados Unidos tenham ficado inalterados entre 1,50% e 1,75% ao ano — diminuindo, assim, o diferencial entre os dois países.
Com esse gap mais estreito, investidores que aplicavam no país em busca de rendimentos fartos têm um apelo menor para continuar fazendo essas operações. No entanto, o economista-chefe da Journey Capital pondera que tanto o cenário no Brasil quanto nos EUA já era precificado pelo mercado, e que, mesmo assim, o dólar tem se mantido em níveis menos pressionados.
"Os demais países emergentes também estão ficando com um diferencial menor [em relação aos Estados Unidos]", diz Candido, lembrando que México e África do Sul, entre outros, também estão num ciclo de corte de juros. "Não há mais um mercado com um rendimento tão maior".
Srour, da ARX, também não vê a queda da Selic a 4,5% ao ano como fator de estresse extra ao câmbio. Para ela, apenas cortes mais substanciais daqui para frente — levando a taxa para 4% ao ano ou a níveis inferiores — poderia resultar numa pressão maior ao dólar. E, exatamente por isso, ela acredita que o BC não irá além no alívio monetário.
Momento favorável
Vale lembrar que, nas últimas semanas, uma série de dados econômicos renovou o ânimo dos mercados em relação às perspectivas para o Brasil, com destaque para o crescimento de 0,6% no PIB do país no terceiro trimestre e a continuidade da expansão da atividade industrial.
Por outro lado, a aceleração na inflação medida pelo IPCA, chegando a 0,51% em novembro, é um fator a ser acompanhado com atenção pelo mercado — e o próprio BC já deixou claro que o comportamento dos preços é um dos fatores principais para a formulação da política monetária.
"É importante observar o que é passageiro e o que é transitório nessa alta de preços da carne, ver se é só um choque ou se é algo que se incorpora na economia", diz Candido, da Journey. "Por enquanto, achamos que é passageiro e vai se dissipar em fevereiro ou março".
Mas, em linhas gerais, o sentimento em relação à economia brasileira é positivo. Os analistas e outros agentes financeiros com quem eu conversei nos últimos dias mostram entusiasmo com as perspectivas em relação à 2020, dado o ganho de tração na economia doméstica já na segunda metade deste ano.
E, nesse cenário, a política monetária adotada pelo Banco Central tem sido elogiada — com destaque para a comunicação de hoje, que deu diretrizes importantes para o curto prazo.
O que vem por aí?
Por mais que o BC tenha deixado a porta aberta para mais cortes na Selic, Srour aposta na manutenção da taxa básica de juros em 4,5% ao ano ao longo de 2020. "A inflação projetada para o ao que vem pode estar um pouco abaixo da meta, mas está perto. O prudente é parar e tentar ficar nesses níveis estimulativos por mais tempo".
Candido, da Journey, vê espaço para mais um corte, levando a Selic à 4,25% ao ano, mas coloca essa discussão em segundo ponto perto do trabalho de fixação de expectativas feito pelo BC. "Foi excelente o desempenho do Copom. Assumiu um tom relaxado (dovish), até mais que o esperado, mas que ancora bem o mercado".
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