Os 100 dias de Bolsonaro: Foi bom para você?
Desempenho não foi frustrante e mostrou para o governo e para a população que a lógica da política é incontornável
Encerramos nesta quarta-feira o tradicional período de 100 primeiros dias de governo Jair Bolsonaro. O que se busca é uma resposta objetiva: foi bom, ruim, um desastre? Sinto frustrar o amigo leitor, mas questões complexas não têm resposta binária.
Medidas objetivas, que batem metas anunciadas com realização, mostram que o governo ficou devendo, pois nem metade das propostas anunciadas foi entregue, outras estão em andamento e algumas seguem sem prazo, como a pretendida autonomia formal do Banco Central (BC).
No entanto, estamos tratando do império da política em um governo que representa uma ruptura com o modelo político vigente, até então, de presidencialismo de coalização, que foi deformado para “presidencialismo de cooptação”.
Muito tempo e energia foram gastos tentando construir um novo equilíbrio entre o que seria a nova e a velha política. Ainda estamos nesse processo, mas em um estágio mais avançado, parece.
Não por acaso, o período foi marcado por instabilidade no preço dos ativos, alternando períodos de euforia com episódios de depressão profunda, que se traduziram em quedas diárias de mais de 3% do Ibovespa e saltos de 2,6% na cotação do dólar. Reflexo também, sejamos justos, de altos e baixos para os demais emergentes.
O custo dessa busca por rumo, por uma nova forma de ação, ou choque de acomodação também se refletiu nos índices de aprovação do presidente. O Ibope, por exemplo, mostrou queda de 49% em janeiro para 34% de avaliações “boa ou ótima” para Bolsonaro.
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No mercado, movimento semelhante, ou melhor, mais acentuado. A XP Investimentos captou entre investidores uma queda de “ótimo ou bom” de 86% em janeiro para apenas 28% agora em abril.
Ainda há tempo de fazer uma reversão nessa tendência. Basta começar a entregar, focar nos assuntos que importam, como as reformas, e usar as redes sociais para manter uma base de apoio mobilizada, sem agredir aliados.
Na esfera econômica, o ponto importante é que as linhas liberais ditadas por Paulo Guedes, com seu famoso bordão “mais Brasil e menos Brasília”, foram firmadas. Há um progressivo afastamento da linha nacional-desenvolvimentista e a busca por maior inserção do país na economia mundial.
Toda a vez que o Brasil conseguiu se voltar para o mundo e olhar menos para dentro, reduzindo a influência tirânica do status quo imposta pelas corporações públicas e privadas, experimentamos períodos de prosperidade econômica e social. Esse desenho está dado.
Não foi frustrante
Para ajudar a compor esse balanço, conversei com o mestre em economia pela UnB e doutor em direito pela UFMG, Bruno Carazza, que também fez uma série de balanços de 100 dias em seu perfil no “Twitter” (@BrunoCarazza).
Para Carazza, Bolsonaro chegou ao Planalto sabendo bem o que ele não queria. Não fazer o clássico “toma lá, dá cá” e não negociar de “porteira fechada” com os partidos (entregar Ministérios e estatais para partidos que tomariam conta das estruturas).
No entanto, pondera o especialista, o Bolsonaro não sabia o que colocar no lugar. Na verdade, o presidente ainda não conseguiu desenhar esse novo modelo de relação com o Congresso.
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Segundo Carazza, já caiu a ficha do que não vai funcionar, como negociação com bancadas ou usar as redes sociais para fazer pressão popular.
A grande incógnita é essa e, por ora, sem solução para esse impasse, o que estamos vendo, segundo Carazza, é essa perda de energia e desgastes com grandes crises.
Ele divide a agenda desse começo de governo em duas: legislativa e executiva.
A legislativa está parada em função desse impasse, por isso nenhuma medida provisória ou projeto de lei foi aprovado. Já a agenda executiva tem andado. Tivemos decretos sobre posse de armas, mudanças em concursos públicos, nomeações para cargos públicos, corte de cargos e comissões e liberação de venda de ações da Petrobras que estão com outras estatais em mercado.
“Tem uma agenda andando e imagino que na falta de avanço mais concreto na pauta legislativa o governo deve focar nesses temas”, disse.
Ainda nessa linha, Bolsonaro anunciou, na terça-feira, que fará um primeiro “revogaço”, anulando centenas de decretos desnecessários “que hoje só servem para dar volume ao nosso já inchado Estado e criar burocracias que só atrapalham”. Também está para sair o 13º para os beneficiário do Bolsa Família.
Para Carazza, o resultado desses 100 dias não é frustrante, pois temos um governo novo que representa uma ruptura, com uma equipe nova e um partido sem tradição no poder.
“Já esperava que esse início de governo ia demorar mais para engrenar porque ele não chegou pronto”, disse, lembrando que também aconteceu uma reforma administrativa muito ambiciosa envolvendo a criação, fusão e extinção de Ministérios e outras estruturas. Mudança, aliás, feita por MP que ainda não começou a tramitar no Congresso.
Outro ponto citado pelo especialista, é que Bolsonaro e equipe não chegaram com um programa bem definido e detalhado, herança de seu programa eleitoral. “Se tivesse feito o dever de casa começaria o governo com tudo pronto.”
Segundo Carazza, o governo pagou o preço ao tentar montar a nova equipe e estruturas e perdeu a lua de mel com o Congresso e com a popularidade. Assim, termina o período com poucas conquistas significativas. “Preço pago, agora vamos ver como o governo vai”.
A política como ela é
O coordenador do curso de Relações Internacionais do IBMEC e professor de Ciência Política, Adriano Gianturco, avalia que esses 100 dias e seus resultados positivos e negativos contam bem a história de um mito que existe aqui no Brasil, de que seria possível fazer política sem negociação.
“Negociação é troca de favores no mundo todo. Não há alternativa a isso. A população tem esperança de que a política será diferente. Não tem como acontecer”, explica Gianturco.
Esse quadro está escancarado pelas idas e vindas da reforma da Previdência. O Congresso escolheu continuar pedindo cargos e recursos para atender suas bases nessa votação, enterrando a possibilidade de uma trégua.
Depois de crises e “caneladas” parece que Bolsonaro entendeu o recado e está recebendo líderes partidários e tentando construir apoio para suas medidas.
Gianturco nos explica que o famigerado “toma lá, dá cá” não é algo que existe só no Brasil. Essa prática é mundial, a questão é se acontece em maior ou menor grau. “Não tem como ser mudado, é impossível.”
Quando se questiona a lógica da economia, que é o lucro, o professor lembra que as pessoas são tratadas como infantis ou ingênuas. Mas quando se questiona a lógica da política, que é o poder, isso não acontece, apesar de serem a mesma coisa, lógicas irrefutáveis.
Segundo Gianturco, temos que trabalhar com a realidade. O governo pode tentar seguir adiante sem negociação, é algo legítimo. Mas a realidade se impõe. Você pode pular os partidos, pode falar com bancadas e grupos de interesse. Mas terá de negociar, mesmo que individualmente.
“É um negócio sujo sim, mas é a política”, explica.
Do ponto de vista moral, diz Gianturco, o Congresso poderia, ao menos na votação da Previdência, não pedir nada em troca, “pensar no país”, mas isso seria demandar demais da política.
“Como professor sempre chamo atenção para o fato de que há um mau entendimento da população. Tem muito idealismo. A política é abordada como deveria ser e não como é de fato”, afirma.
Segundo Gianturco, a troca de favores é um meio que pode ser usado para o bem ou para o mal, mas até mesmo para se fazer o bem é preciso negociar e articular.
Estamos pagando a conta dessa falta de articulação, pois a conta da não realização da reforma é elevada e aumenta a cada dia que passa.
Segundo Gianturco, até mesmo os chamados “bolsominions” estão caindo na real de que a política é isso. O governo pode ser bem-intencionado mas terá de negociar, não é uma mera questão de vontade política.
“Toda a vontade do mundo não pode mudar a lógica da política”, explica.
Gianturco acredita que esse episódio pode ter efeito pedagógico, mostrando para a população a política como ela é.
Curva de aprendizado
Outra questão destacada por Gianturco é que quando o governo chega como um “outsider” da política, não Bolsonaro propriamente, mas grande parte de sua equipe, há um trade-off entre essa renovação e o conhecimento da máquina.
“São pessoas mais ‘limpas’, mas que conhecem menos o sistema. Eles não têm a ginga, a articulação, não sabem como se mover, falar e se comportar. Não conhecem o processo burocrático, os tecnicismos. Então, tem um período de aprendizado, uma curva só para entender a máquina”, diz.
Quem está fora da “máquina” não entende isso e fica bravo, ainda mais quem é egresso do setor privado onde se mudam as coisas que não dão certo em curto espaço de tempo, ainda mais quando há desperdício de dinheiro.
Já o Estado, lembra o professor, não precisa ser tão rápido, pois pode postergar a necessidade de corte de gastos já que tem sempre o contribuinte para recorrer.
Para Gianturco, quem está na máquina usa esse argumento fácil para diminuir os novos entrantes, falando que eles não conhecem Brasília ou como as coisas funcionam por aqui.
Mas um integrante tem aprendido rápido. Paulo Guedes, que está ajudando nas negociações apesar de dizer que é um animal de combate na economia. Sinal claro disso foi sua atuação na CCJ. Para Gianturco, Guedes conseguiu criar o consenso de que o tiro da oposição em desestabilizar o ministro, saiu pela culatra.
Para encerrar, o professor lembra de uma frase do filósofo Karl Popper, de que não precisamos de homens fortes, mas sim de muros e paredes que nos protejam de homens fortes. Precisamos de instituições fortes, para que o sistema dependa o mínimo possível das pessoas.
Que venham os próximos dias.
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