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Eduardo Campos
Eduardo Campos
Jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo e Master In Business Economics (Ceabe) pela FGV. Cobre mercado financeiro desde 2003, com passagens pelo InvestNews/Gazeta Mercantil e Valor Econômico cobrindo mercados de juros, câmbio e bolsa de valores. Há 6 anos em Brasília, cobre Banco Central e Ministério da Fazenda.
Entrevista

Bolsonaro tem até junho para aprovar reforma da Previdência, depois esquece, diz cientista político

Antônio Flávio Testa esteve na equipe de transição e afirma que governo começa nesta semana com definição das comissões na Câmara. Para ele, ou Bolsonaro dá certo ou voltamos a ser uma República de Bananas

Eduardo Campos
Eduardo Campos
13 de março de 2019
5:17 - atualizado às 19:48
“Tem que ter base de apoio, senão, o governo dele desmancha", diz Antônio Testa. - Imagem: Márcia Kalume/Agência Senado

O cientista político Antônio Flávio Testa tem mais de três décadas de experiência participando ou acompanhando diferentes governos aqui em Brasília. Sua relação com o atual governo começou ainda na campanha do então desacreditado capitão Jair Bolsonaro, se estendeu por quase todo o período de transição, coordenando grupos de trabalho no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), e terminou após um desentendimento com agora ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, que está no centro de uma confusão envolvendo a pasta e alunos de Olavo de Carvalho. "Ainda bem que eu saí."

Testa compartilha da avaliação de membros do governo e do mercado de que o governo Bolsonaro é um caso binário: Ou dá certo ou não tem saída.

No lado econômico, sua avaliação é de que agenda de Paulo Guedes, sustentada pelo mercado financeiro, de abertura, desregulamentação, redução de impostos e menor interferência do Estado está correta.

“Se ele der esse incremento à competitividade e fortalecer a regulação da economia por meio das agências reguladoras, o Brasil vai melhorar muito. Mas isso vai surtir efeito dentro de uma década. Primeiro, o sistema tem que se estabilizar e é isso que vejo nesses quatro anos do Bolsonaro. Se ele sair vitorioso com a reforma da Previdência e do Pacto Federativo, você pode aliciar a economia e criar a expectativa de que o Brasil seja um player competitivo até o meio do século XXI. Se isso não acontecer, amigo, vamos voltar a ser um República de Bananas e o Paraguai será a grande força da América do Sul”, explica.

A agenda de reformas

Para Testa, a ação do ministro da Economia, Paulo Guedes, de enviar junto com a reforma da Previdência a revisão do Pacto Federativo, foi uma decisão taticamente muito inteligente, pois acaba com o que podemos classificar de “varejo” das verbas e chama os parlamentares para seu real ofício de arbitrar o conflito distributivo “dentro de Casa”.

A pauta deve contar com apoio dos prefeitos, e Testa afirma que desde a época da transição há um trabalho junto à Confederação Nacional de Municípios (CNM) de explicar a importância de descentralizar as receitas.

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A CNM começa agora a organizar sua marcha anual até Brasília e o tema do ano, segundo Testa, será “Mais Brasil”. “Estado não existe, o que existe é município. Estados representam oligarquias que estão ali há séculos e não fazem nada”, afirma.

A reforma da Previdência, diz Testa, de uma forma ou de outra será aprovada. Pode não ser exatamente o texto que Paulo Guedes quer, mas já há um consenso de que tem de haver uma reforma.

Para ele, o governo vai enfrentar a força das corporações do serviço público, mas a aceitação de uma reforma por parte dos militares é um sinal de “você pode espernear para lá e para cá que a reforma é inexorável”.

Quanto ao prazo de aprovação, Testa é taxativo:

“Se não aprovar até o fim do mês de junho, antes do recesso parlamentar, esquece, tá? Tenho 35 anos de Congresso. Ou você aprova nos próximos três meses, não digo tudo, mas a essência da reforma, ou esquece. Vem o recesso, passam-se 30 dias, e quando o Congresso volta, o espírito é outro.”

Ainda de acordo com Testa, o governo tem de usar seu respaldo popular para aprovar tanto a Previdência quando a proposta do Pacto Federativo.

Um ponto criticado por Testa é que Bolsonaro tem de “acabar com essas briguinhas de Carnaval, essas coisas pequenas”. Não se sabe se o presidente quer falar ou dar satisfação a uma parcela do eleitorado ou se ainda não assumiu a Presidência.

Outra coisa “inaceitável”, segundo ele, é deixar figuras como Olavo de Carvalho “fazer esse estrago todo no governo”. “O cara mora nos EUA, ganha fortuna com seus dizimistas, nomeia ministro, demite ministro. Chama o vice de charlatão e o general Heleno de traidor. As ofensas são às instituições. Tem alguma coisa errada aí. Em qualquer situação isso é inaceitável, independentemente de quem esteja no comando do Estado”, avalia.

Ação coordenada

Previdência e Pacto Federativo requerem, no entanto, outras ações coordenadas com demais áreas do governo. O exemplo dado por Testa é uma reforma do sistema educacional para corrigir disparidades regionais.

“A Previdência corrige distorções, mas se a economia não crescer e colocar a juventude no mercado de trabalho não adianta de nada”, afirma.

Segundo Testa, a automação e novas formas de produção não absorvem mais mão de obra, mas sim cérebros e esses cérebros não precisam estar fixados em algum lugar para recolher impostos naquele lugar. “É uma outra dimensão e isso está muito superficialmente colocado nas discussões”, avalia.

Nesse ponto, no entanto, Testa não se mostra otimista. Ele acredita que o Ministério da Educação, na sua configuração atual, vai se perder em coisas pequenas, como “mulher usa rosa, sapato azul”, mas nada de entrar em um projeto estratégico, apontando, por exemplo, o quanto vamos investir em pesquisas de matemática, física, geologia ou financiar bolsas em ciências aplicadas.

“Fizemos um levantamento na transição e 70% do dinheiro aplicado em ciência sociais é para pesquisa de gênero. Nada contra pesquisa de gênero, mas 70%? Enquanto isso, a China discute satélites, novas tecnologias, energia limpa, tudo que o Brasil tem um potencial enorme, mas fica essa coisa nas universidades”, afirma.

Toma lá, dá cá?

Nos últimos dias, acompanhamos o governo Bolsonaro acertar a liberação de cargos e também de emendas parlamentares no que seria um esforço para construir uma base de apoio parlamentar sem a qual seu governo não se sustenta.

Segundo Testa, sabíamos que isso teria de acontecer e ele cita uma das primeiras participações de Bolsonaro em debate na TV, no período de campanha, no qual e então candidato falou que político tem que negociar, ainda mais se o pleito for justo e necessário. “Mas isso passou batido”, lembra.

O que existia anteriormente, segundo Testa, era a entrega de Ministérios “com porteira fechada”, para uma estrutura partidária que nem sempre era a mais representativa, mas sim a mais poderosa, “e as coisas não aconteciam”.

“Tem que ter barganha. Mas não precisa ser uma negociação clientelista, fisiológica. Não há a menor condição de fazer reformas sem negociação no mundo democrático. Até no regime militar eles tiveram de negociar”, explica.

Quando se começa um novo mandato, diz Testa, o governo vem cheio de ideias novas. Guedes, por exemplo, quer mudar o foco de um Estado burocrático, para um Estado liberal, “e isso é muito bom, mas tem de convencer quem estava ganhando com o modelo antigo”.

Os parlamentares estabelecidos não querem mudança e os novos não entendem como a máquina funciona. Os novatos, lembra Testa, chegam querendo mudar o mundo, mas as regras das Casas são complicadas. “O regimento é um atraso. A estrutura de poder está no regimento”, diz, lembrando que desde 1970 tenta-se mudar o regimento interno no Senado.

“Esses caras [os estabelecidos] têm interesses específicos, para os grupos deles. Não tem projeto de Nação, isso é utopia, não existe”, avalia.

Então, explica Testa, o “cara começa a se frustrar” e, como não consegue fazer nada, ele tem de ir atrás de quem consegue fazer alguma coisa.

“Ele se submete a isso. É o poder dos líderes. Tem que ter maioria e comando forte, com coordenação. Se não tiver, vai ter barganha, entendeu?”, explica.

Cargos por votos

O cuidado a ser tomado, segundo ele, é não perder o discurso que não iria entregar cargos em troca de votos. “Ele pode entregar cargos com base naquilo que ele colocou, baseado na meritocracia, competência, mas isso nem sempre está acontecendo”, ponderou.

Para Testa, o que acontece no Ministérios da Cidadania (Osmar Terra – MDB do RS), que engloba as áreas de Esporte e Cultura, por exemplo, é exemplo do clássico “toma lá, dá cá”. Os orçamentos envolvidos não são grandes, mas o impacto dessas estruturas sociais e políticas é relevante, com ressonância na mídia. A falta de ação e resultado dessas áreas, por exemplo, fragiliza o modelo de juntar Ministérios para reduzir custos e melhorar a gestão. “Mas isso pode ser corrigido”, avalia.

A correção passa por uma melhora nos processos de liderança e coordenação. Há um plano de governo e projetos precisam ser apresentados e aprovados. Segundo Testa, dentro dessa lógica, pode-se barganhar, principalmente cargos no terceiro e quarto escalões e cargos de confiança em estruturas regionais, como Funasa, Incra, Meio Ambiente e bancos regionais.

Esses são setores, segundo Testa, que têm “influência imensa” na correlação de forças entre municípios, Estados e governo federal. É nesse “varejo” da negociação política que coisa pode complicar e a base de apoio tem de estar consolidada e dando apoio entre maio e novembro, pois, depois disso, começa o processo de sucessão nos municípios.

“Tem que ter base de apoio, senão, o governo dele desmancha. Acho que ele tem capacidade de fazer isso”, afirma.

A importância de Sérgio Moro

Para Testa, o papel do ministro da Justiça, Sérgio Moro, na consolidação dessa base é decisivo, pois se o combate à corrupção capitaneada pelo ministro se esparramar para os municípios, “vai atingir oligarquias corruptas que estão instaladas e isso abre um vazio para que novas lideranças políticas” surjam.

Ainda na seara de Moro, os projetos envolvendo a segurança pública têm papel relevante, notadamente o chamado excludente de ilicitude, que já conta com apoio de diversos governadores. Mas Testa acredita que mesmo que seja criada essa figura legal, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve barrar sua implementação.

O político mais forte do Brasil

Testa chama atenção para o fato de que de 1º de fevereiro até agora, a Câmara não conseguiu instalar a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A CCJ é a primeira parada da reforma da Previdência e demais pautas do governo. A expectativa é que a instalação ocorra nesta quarta-feira. “Lá, tudo é barganha é cargo por cargo e vai ser um caos”, avalia.

Segundo Testa, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é um político hábil, que está bem alinhado com o Antônio Carlos Magalhães Neto, prefeito de Salvador, e conhecido como “malvadezinha”, por ser neto do “malvadeza”, Antônio Carlos Magalhães. Para Testa, ACM Neto já pode ser visto como pré-candidato à presidência em 2022.

Mas Maia não é o político mais forte do Brasil. Quem tem esse posto é o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que fez um punhado de Ministérios. Além da Casa Civil, ele fez Turismo, Cidadania, Agricultura e Desenvolvimento Regional.

Onyx, segundo Testa, também trouxe o MDB do Rio de Grande do Sul, agradou ao Estado do Pará, da família Barbalho, esvaziou o MDB de Renan Calheiros e trouxe o MDB de Pernambuco, com o senador Fernando Bezerra (líder do governo no Senado). “O cara é um avião”, resume.

“Maia é o terceiro cara da República. Ele é o chefe da pauta, mas quem tem a caneta para indicar é o Onyx. O Rodrigo é muito hábil, mas ele está preso à pauta na Câmara. O Onyx não. Ele é o coordenador político do governo, todos os Ministérios prestam conta para ele”, explica.

Por isso do noticiário quase sempre desfavorável em torno de Onyx. É uma tentativa de “queimar” um quadro muito poderoso.

Testa lembra que tanto Onyx quanto Bolsonaro são “sobreviventes”, pois mesmo sendo classificados como “baixo clero” têm sete mandatos no Congresso, enquanto grandes caciques, como Eunício Oliveira, duraram apenas um mandato. Por isso mesmo que são “fortes”.

Testa também identifica um lado "messiânico" em Onyx e Bolsonaro, que se acham, por vezes, enviados de Deus. "Vai cair a ficha, mas o Bolsonaro em si é um cara muito simples, ouve as pessoas, muda de opinião e é bem assessorado."

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