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Victor Aguiar
Victor Aguiar
Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero e com MBA em Informações Econômico-Financeiras e Mercado de Capitais pelo Instituto Educacional BM&FBovespa. Trabalhou nas principais redações de economia do país, como Bloomberg, Agência Estado/Broadcast e Valor Econômico. Em 2020, foi eleito pela Jornalistas & Cia como um dos 10 profissionais de imprensa mais admirados no segmento de economia, negócios e finanças.
Terreno acidentado

A guerra comercial trouxe instabilidade ao solo do Ibovespa e mexeu com a topografia do mercado

Após as fortes perdas de segunda-feira, o Ibovespa e as bolsas globais se recuperaram e fecharam em altas firmes; o dólar à vista, contudo, segue pressionado

Victor Aguiar
Victor Aguiar
6 de agosto de 2019
10:31 - atualizado às 14:31
Mapa topografia
Ibovespa deixou o vale dos 100 mil pontos, se recuperou e conseguiu retomar aos 102 mil pontosImagem: Shutterstock

O dicionário Michaelis define topografia como:

Configuração do relevo de um terreno com a posição de seus acidentes naturais ou artificiais

Bom, caso o Ibovespa e os mercados acionários globais fossem uma área a ser mapeada, o relevo da região entre os dias 5 e 6 de agosto de 2019 seria particularmente acidentado — com um vale imenso e súbito no meio de um planalto.

Ou, colocando em números o caso do principal índice da bolsa brasileira: saindo do nível dos 102.673,68 pontos na última sexta-feira (2), mergulhando aos 100.097,75 pontos na segunda (5) — uma queda de 2,51% — e quase retornando ao patamar anterior ao fechar o pregão desta terça (6) em alta de 2,06%, aos 103.163,69 pontos.

Nos Estados Unidos, os mapas topográficos mostrariam tendência semelhante: por lá, as bolsas também estavam em níveis elevados e sofreram perdas intensas na segunda-feira, de mais de 2%. Mas, nesta terça-feira, boa parte dessas baixas foi revertida: o Dow Jones subiu 1,47%, o S&P 500 avançou 1,65% e o Nasdaq teve ganho de 1,82%.

E o que aconteceu desde o fim de semana para provocar essa falha geográfica tão peculiar? Bom, tivemos um intenso tremor de terra: as placas tectônicas dos Estados Unidos e da China entraram novamente em rota de colisão — mas, dessa vez, os atritos entre essas duas forças começou a contaminar o câmbio.

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Em meio a toda a tensão gerada pela guerra comercial, os mercados se preparavam para o pior, apostando que a China seria o epicentro de mais um terremoto cambial. Mas esse segundo impacto foi bem menos intenso que o antecipado — e os agentes financeiros aproveitaram para respirar com tranquilidade.

Bom, o Michaelis associa a topografia aos "acidentes naturais ou artificiais". Independente de como você classifique os recentes desdobramentos da guerra comercial, fato é que eles afetaram diretamente o relevo do Ibovespa e dos mercados — e podem continuar mexendo com o desenho dos mapas.

Fissura

Esse movimento de altas generalizadas nas bolsas globais ocorreu após um início de semana dos mais tensos. Os atritos entre Estados Unidos e China chegaram a um novo patamar nesta segunda-feira, quando o dólar ultrapassou a marca de sete yuans, nível que não era atingido em mais de 10 anos.

Em resposta, o presidente americano, Donald Trump, acusou Pequim de desvalorizar artificialmente a moeda, de modo a tornar suas exportações mais competitivas. Essas movimentações e a sinalização de que a guerra comercial pode se transformar numa disputa cambial trouxe pânico aos mercados globais, desencadeando um movimento de forte aversão ao risco.

Nesta terça-feira, o Banco do Povo da China (PBoC, na sigla em inglês), voltou a determinar uma depreciação do yuan ante o dólar, mas esse movimento foi menos intenso do que o previsto pelo mercado — o gigante asiático parece querer manter a moeda desvalorizada, mas não em excesso.

Com isso, os agentes financeiros encontram algum espaço para recompor parte das perdas da última sessão e sair do vale cavado na segunda-feira. "Essa postura mostra que a China não está tão na ofensiva. Mas é mais um alento do que um desenvolvimento propriamente positivo", pondera Gabriel Machado, analista da Necton.

Nos Estados Unidos, as bolsas abriram o dia exibindo altas de cerca de 1%, mas ganharam força ao longo da tarde, impulsionadas pela recuperação das ações do setor de tecnologia. E o Ibovespa pegou carona nesse movimento dos mercados americanos.

Por aqui, o índice também exibia ganhos da ordem de 1% até perto das 15h, quando acompanhou as bolsas de Nova York e também acentuou a recuperação. Ao fim do dia, o Ibovespa conseguiu retornar ao nível dos 102 mil pontos e, mesmo após a segunda-feira amplamente negativa, agora acumula baixa de apenas 0,5% na semana.

Terreno instável

O dólar à vista, contudo, não passou por uma recuperação semelhante: o mapa topográfico da moeda americana tem um perfil diferente, saindo de uma planície ao redor dos R$ 3,75 e passando a exibir uma inclinação súbita, em direção aos R$ 4,00.

Novamente, em números: o dólar à vista aparecia na faixa de R$ 3,77 no dia 26 de julho, mas enfrentou cinco altas consecutivas — o ápice foi ontem, com uma elevação de 1,66% —, chegando ao patamar de R$ 3,75. Hoje, a moeda americana teve um leve alívio, fechando em baixa de 0,03%, a R$ 3,9551.

Dois fatores explicam essa subida intensa e rápida do dólar: o aumento na aversão global ao risco e a queda no diferencial de juros entre Brasil e Estados Unidos.

O primeiro ponto está diretamente relacionado à guerra comercial: as incertezas quanto ao que pode ocorrer na relação entre EUA e China faz os agentes financeiros ficarem na defensiva, deixando suas posições em ativos de risco — como as moedas emergentes — e  correndo para opções mais seguras, como o dólar.

Nesse contexto, a divisa americana passou por um fortalecimento expressivo em relação às moedas como o peso mexicano, o rublo russo, o peso colombiano, o rand sul-africano e o real brasileiro. E, no nosso caso, o corte de 0,5 ponto na Selic também culminou em pressão extra ao câmbio.

Trata-se de um fator técnico: com os juros brasileiros caindo num ritmo mais rápido que os dos EUA — por lá, o Federal Reserve diminuiu as taxas em apenas 0,25 pontos —, há uma tendência natural de fortalecimento do dólar ante o real. Meu colega Eduardo Campos explicou o racional por trás desse movimento nessa matéria especial.

De qualquer maneira, os R$ 3,95 do dólar à vista representam o maior patamar desde o fim de maio — no dia 30 daquele mês, a moeda americana fechou a R$ 3,9759.

Previdência no radar

Com o exterior mais positivo, o mercado local aproveitou para prestar atenção ao noticiário local: afinal, pode começar ainda hoje a votação, em segundo turno, do texto-base da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados.

E, por ora, a expectativa é a de que o processo corra sem maiores tumultos, dado o placar favorável visto na primeira etapa. "Já está precificado que a reforma vai passar, mas é importante estar atento à questão de quanto será a economia efetiva", destaca Machado.

O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, afirmou recentemente que o governo trabalha com um cenário em que o processo de tramitação da Previdência na Câmara será concluído ainda nesta semana. Depois desta fase, o texto segue para apreciação no Senado.

Apesar dos bons prognósticos, parte do mercado teme que as declarações agressivas do presidente Jair Bolsonaro a respeito de diversos temas ao longo das últimas semanas poderão reduzir o apoio parlamentar à proposta. Assim, as movimentações em Brasília podem mexer diretamente com o Ibovespa e o dólar nesta terça-feira.

Juros voltam a cair

A curva de juros também passou por um processo de alívio nesta terça-feira, devolvendo parte do movimento de estresse visto ontem. Tanto na ponta curta quanto na longa, os DIs assumiram um tom negativo.

Entre as curvas de prazo mais curto, as com vencimento em janeiro de 2020 caíram de 5,56% para 5,53% — tais ativos são os que refletem com maior precisão as apostas do mercado em relação à Selic no fim do ano. Já as para janeiro de 2021 recuarm de 5,56% para 5,49%.

No vértice longo, os DIs para janeiro de 2023 fecharam em baixa de 6,54% para 6,42%, e os com vencimento em janeiro de 2025 foram de 7,05% para 6,94%.

Enquanto isso, no front corporativo...

...a temporada de balanços continua a todo vapor, com duas empresas do Ibovespa reportando seus números recentemente: o IRB e a Taesa.

A primeira registrou lucro líquido de R$ 388,4 milhões no segundo trimestre, aumento de 35% em um ano, e disse esperar que seus prêmios de resseguros cresçam de 20% a 27% neste ano. Nesse contexto, os papéis ON da empresa (IRBR3) subiram 5,86% e apareceram entre as maiores altas do índice.

Já a segunda divulgou um crescimento de 11% no lucro líquido na mesma base de comparação, para R$ 307,4 milhões — as units da companhia (TAEE11) tiveram alta de 2,78%.

Quanto ao noticiário corporativo, destaque para a Marfrig: a empresa fechou um acordo com a americana Archer Daniels Midland (ADM) para a produção e venda de hambúrgueres veganos e outros produtos de origem vegetal — a previsão é a de que os primeiros alimentos cheguem aos mercados brasileiros até o fim do ano.

Os hambúrgueres veganos, ou seja, produtos de origem vegetal que tentam simular o gosto e a textura dos discos de carne bovina, têm gerado enorme interesse nos Estados Unidos — por lá, a Beyond Meat abriu seu capital em maio e viu suas ações saltarem de US$ 25  para o nível de US$ 172 nesta terça-feira.

Em meio à novidade, os papéis ON da Marfrig (MRFG3) subiram 7,41% e tiveram o melhor desempenho do Ibovespa.

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