Rappi, o unicórnio colombiano que parece uma ‘Amazon de serviços’, promete vender de tudo e entregar em casa
O bigodinho laranja que é símbolo do aplicativo de ‘delivery de tudo’ está ganhando as ruas das grandes cidades do Brasil. Empresa captou US$ 1 bilhão com investidores japoneses, o maior aporte já feito em uma startup latina. Rappi vai deixar o lucro para depois e quer gastar tudo para expandir os serviços e criar inovações que vão podem mudar a forma como você faz compras. O que vem pela frente?
Em uma vida corrida como a de quem vive em São Paulo, praticidade é tudo. Eu mesma já agradeci imensamente pelos serviços de entrega disponíveis hoje. Certa vez, por exemplo, aluguei um vestido de casamento em uma loja distante do meu trabalho. Fui lá algumas vezes para provar a roupa. Mas, na hora de devolver, não pensei duas vezes.
Chamei um serviço de entrega, apertei o vestido no compartimento do motoboy e lá se foi ele rumo à loja. Acompanhei todo o trajeto pelo aplicativo e pronto. Um problema a menos para resolver.
Fazendo as vezes de um "delivery de tudo", uma das empresas que têm recebido destaque no mercado de entregas é a Rappi. Ela é um "unicórnio", como são conhecidas as empresas fechadas que valem mais de US$ 1 bilhão. Aliás, a Rappi é a startup latina que recebeu o maior aporte de um investidor - nada menos do que US$ 1 bilhão do Softbank, os mesmos que acabaram de colocar uma bolada também no Banco Inter.
A Rappi é uma espécie de "Amazon de serviços", que reúne de vários serviços em um mesmo aplicativo. Em vez de ter que usar um app para comprar cada coisa, a Rappi permite que o usuário use o mesmo sistema para comprar todo tipo de coisa e receber em casa: comida, compras no supermercado, chamar uma manicure a domicílio, encontrar um passeador para o cachorro ou até mesmo "alugar" um goleiro para a pelada com os amigos.
Criada em 2015 na Colômbia, ela vem conquistando o mercado brasileiro e outros países da América Latina, como o México. O diferencial? A possibilidade de comprar tudo sem sair de casa em um único aplicativo - poupando a memória do seu celular e evitando uma profusão de apps na tela.
Para o diretor de expansão e co-fundador brasileiro, Ricardo Bechara, que conversou comigo para me contar as perspectivas da empresa, o objetivo da companhia é justamente esse: "fazer com que a Rappi esteja sempre na primeira tela do celular das pessoas".
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Entenda o seu modelo de negócios
Quem entra agora no aplicativo até se espanta. Afinal, quem acompanhou a startup desde o início se surpreende ao ver como ela vem crescendo especialmente no quesito serviços. E é possível atender de tudo.
Desde pedidos como a compra de uma pinça anatômica, ou um fio de nylon para cirurgia, até ajuda com o chaveiro.
Ao perguntá-lo sobre os casos mais engraçados, Bechara conta ainda que "certa vez, um cliente se trancou dentro do próprio apartamento e pediu para um dos entregadores ir atrás da chave com outra pessoa. Passado um tempo, o entregador foi lá e o destrancou".
Fazendo as vezes de uma ajudante que busca diminuir as distâncias entre negócios e serviços em um modelo de e-commerce, a Rappi trabalha tanto com grandes varejistas, como Carrefour, Mambo e Saint Marche, quanto com lojas menores e com serviços em que o cliente pode pedir ao entregador qualquer item do seu agrado.
A ideia é sempre uma só: oferecer uma plataforma ou marketplace capaz em reunir em um só lugar lojas de vários segmentos e as mais variadas opções de serviços que o cliente possa precisar ao longo do seu dia.
Uma plataforma, mil possibilidades
E é claro que isso tem um custo. Para isso, a Rappi cobra uma comissão pelas vendas que faz por meio do seu aplicativo. Os percentuais podem variar de empresa para empresa.
Sem entrar em detalhes, o diretor de expansão da companhia disse apenas que o valor depende da parceria e que o frete das viagens é repassado de forma integral para o entregador.
Ao indagá-lo sobre a possibilidade de que a empresa receba também por outras maneiras, o diretor de expansão é enfático e me responde que não. Segundo ele, quando um funcionário da Rappi compra os produtos nas lojas parceiras, ele paga o mesmo montante que um usuário normal pagaria.
"O valor que recebemos é de fato uma comissão de venda. Se você entrar na Lojas Americanas, por exemplo, ela faz o mesmo para os usuários que tentam vender por meio da sua plataforma".
E não há exclusividade com parceiros. "A gente não atende apenas uma varejista, por exemplo. Possuímos conteúdo exclusivo para alguns usuários, mas isso está ligado mais a questões estratégicas", segundo me contou Bechara.
Tudo num só lugar, tudo sobre você
Nós já falamos aqui no Seu Dinheiro que os dados são o novo petróleo do mundo dos negócios. A Rappi caminha para se tornar um app que sabe tudo sobre você. Você pede comida quantas vezes por semana? Prefere hambúrguer ou sushi? Seu carrinho de supermercado tem cerveja ou comida saudável? A Rappi consegue saber até mesmo se você tem cachorro ou gato.
Essas informações abrem oportunidades do negócio. Por exemplo, uma marca de fralda pode pagar para fazer uma ação de marketing e enviar como "brinde" uma amostra apenas aos clientes que compram produtos infantis no app.
Serviço VIP
Além de oferecer conteúdos cada vez mais personalizados, a Rappi quer acima de tudo fidelizar o seu cliente. E uma das formas de fazer isso é por meio do seu programa, o Rappi Prime. Na prática, ele funciona como um serviço de assinatura paga mensal que custa R$ 19,00 e que dá direito a alguns benefícios, como frete grátis para compras acima de R$ 20 e sem custo de sobretaxa para pedidos feitos à noite ou durante dias chuvosos.
Mesmo sem abrir os dados do percentual de usuários do Rappi Prime em relação aos demais clientes, Bechara se limitou a dizer que o número de clientes Prime está cada vez mais relevante dentro da companhia.
Apesar do crescimento, a ideia não é monetizar o programa. O diretor me contou que o objetivo é tornar o cliente cada vez mais fiel à marca, entender melhor o seu comportamento e fazer com que o app esteja sempre na primeira tela do celular das pessoas.
Shoppings no radar
E a startup está de olho em outros segmentos para ampliar a sua gama de serviços. Um deles é o de shoppings, que hoje virou uma espécie de minicentro de distribuição de mercadorias adquiridas nas lojas on-line e no marketplace.
O diretor disse que a parceria ainda está em fase de maturação, mas que tem feito testes e que está vendo a melhor forma de tornar isso escalável. Para ele, um dos grandes desafios é que os shoppings no Brasil estão bem localizados nos centros urbanos e oferecem muito mais do que produtos.
Ainda é difícil que as pessoas deixem de frequentar esses espaços porque hoje eles oferecem outras experiências como teatro, exposições, concertos etc. De qualquer forma, a visão de Bechara é que há uma boa oportunidade de mercado ao encurtar distâncias entre os negócios e os serviços oferecidos em um e-commerce, no chamado "last mile"(última milha), e que vai muito além do segmento de shoppings.
Segundo ele, a ideia é seguir o modelo que já existe hoje na empresa em que a Rappi faz uma parceria com as lojas e receberia um percentual de comissão em cima disso. O objetivo não seria competir com os shoppings virtuais que esses centros estão criando, mas sim aumentar o alcance deles.
Um dos exemplos de sucesso foi a parceria feita com o Carrefour e que pode inspirar mais acordos com o varejo. De acordo com os dados do último balanço, a startup colombiana terminou o mês de junho com presença em 88 lojas da rede e em 22 cidades, o que ajudou a impulsionar e fazer com que metade dos clientes da Rappi fossem novos para a varejista.
China, estamos de olho
E para se tornar o "superaplicativo" o foco está em olhar para duas gigantes chinesas especialistas no setor de serviços, a Meituan Dianping e a WeChat.
A primeira funciona como uma plataforma tecnológica com mais de 200 tipos de serviços e que foi eleita, neste ano, a empresa mais inovadora do mundo pela Fast Company. Apesar de ser pouco conhecida aqui no Brasil, os serviços se assemelham bastante com os que a Rappi vem oferecendo aqui no Brasil, como te conto nesta matéria.
Mas o que chama tanto a atenção da startup colombiana? Segundo me contou Bechara, os dois pontos estão relacionados ao crescimento e a sua capacidade de trabalhar nos mais variados segmentos (multiverticalidade).
Outra que está no radar é a WeChat, que seria o equivalente ao Whatsapp na América Latina e que é um dos aplicativos de mensagens instantâneas mais populares da China. Hoje, o app é utilizado por cerca de 1,1 bilhão de pessoas e oferece de tudo: desde envio de mensagens até o pagamento de contas e troca de mercadorias de segunda mão.
Mesmo com as milhares de funções que o cliente pode ter acesso, há uma delas que não está nem na lista de previsões da Rappi.
"Aqui na América Latina, ninguém vive sem o Whatsapp. Não vemos uma oportunidade de mercado em trabalhar com um serviço de mensagens instantâneas, porque já há alguém que preenche esse espaço muito bem por aqui", destacou Bechara.
Aproveitando a maré alta
Pegando a onda da WeChat e da Meituan Dianping, uma das frentes que a empresa vai continuar a melhorar também são os seus serviços de pagamento. Hoje, a companhia conta com duas opções: o Rappi Pay, que é a carteira digital, e o seu cartão de débito que foi lançado em junho deste ano.
Mas quem estava à espera de novidades como contas de pagamento e linhas de crédito igual ao modelo oferecido pela Rappi no México terá que esperar para ver isso por terras tupiniquins.
Em sua justificativa, o diretor disse que, no momento, isso não é algo que a empresa está pensando, já que estão focados no crescimento da companhia e na melhoria do próprio Rappi Pay.
Lucro, não importa (no momento)
O foco da Rappi é melhorar os serviços e oferecer opções mais interessantes para fidelizar o usuário. Nessa corrida para crescer rápido, o lucro fica em segundo plano.
"Estamos naquela fase de buscar um crescimento exponencial e investir assumindo que no longo prazo receberemos esse valor de volta. A ideia é ganhar representatividade e escala para depois rentabilizar em cima disso. Hoje, não temos uma linha de lucro", afirma Bechara.
Mesmo sem divulgar o número de investidores total que a companhia possui, a última rodada de investimentos contou com grandes nomes como SoftBank (o mesmo que fez aportes na startup Creditas), Sequoia Capital (que investiu em gigantes como Google, Yahoo e LinkedIn), Andreessen Horowitz (que colocou dinheiro no Airbnb, Decolar e Lyft), assim como DST Global (que investiu no Nubank).
Além de não se preocupar com o fato de ter uma empresa rentável por enquanto, a companhia não faz planos de abrir capital.
Para Bechara, é preciso que ela esteja preparada antes e agora não é o momento. Ainda assim, o diretor não descarta a possibilidade de fazer um IPO no futuro, caso seja interessante para a Rappi, assim como ocorreu com a Meituan Dianping.
Economia fraca? Tudo bem...
E na hora de falar sobre economia nem mesmo o crescimento abaixo de 1% para o Produto Interno Bruto (PIB) neste ano parece estragar o otimismo da empresa. Segundo o diretor, as oscilações econômicas podem impactar menos a companhia pelo fato dela ter maior agilidade e capacidade de se transformar diante de um possível cenário mais negativo.
É bem verdade que a Rappi é um desses negócios que tendem a crescer em países com uma grande massa de trabalhadores desempregados ou subocupados. Afinal, um pilar importante do sistema de entrega é a existência de pessoas que topem ficar na fila esperando um lanche e levar até a sua casa de moto ou bicicleta por uns trocados.
Outro motivo para o otimismo de Bechara está atrelado à baixa penetração do mercado de compras online no Brasil (cerca de 3%) se comparado à China, que possui cerca de 15%. Logo, ele aposta que ainda há muito espaço para crescer.
"E se houver uma crise, eu penso que as pessoas vão substituir o que eles pedem. Nesse caso, a gente poderia usar big data para oferecer produtos mais adequados aos novos hábitos de consumo", destaca Bechara.
Ainda assim, é difícil dizer que a Rappi terá uma tarefa fácil. Mesmo que ainda não haja um concorrente capaz de oferecer todos os serviços que ela apresenta aqui no Brasil, sabemos muito bem que esse mercado de inovação é bastante volátil e que novas parcerias entre gigantes podem complicar e muito a sua vida.
Um caso que vimos recentemente é o da própria iFood que anunciou que terá assinatura mensal de entrega, parecida com o modelo da Rappi Prime. E assim como ela, virão outros.
Além disso, como todo marketplace (esses sites que vendem produtos de várias lojas) as parcerias são essenciais para ela crescer. E, se, de um lado ela é parceira dos diferentes aplicativos que vendem de tudo, de outro ela pode ser encarada como uma concorrente que disputa o mesmo cliente.
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