BC venderá dólares no mercado à vista pela 1ª vez desde 2009
Ofertas serão de até US$ 550 milhões por dia, conjugadas com leilões de swaps. BC enfatiza que atuação não altera sua política cambial, pautada no câmbio flutuante
O Banco Central (BC) voltará a vender dólar no mercado à vista de câmbio pela primeira vez em mais de 10 anos. Serão ofertados US$ 550 milhões por dia entre 21 e 29 de agosto, em conjunto com distintas operações de swaps (que equivalem à compra ou venda de dólares no mercado futuro).
A última vez que o BC chamou um leilão à vista para venda de dólar foi em 3 de fevereiro de 2009. Naquela época, a taxa de câmbio estava na linha dos R$ 2,30 e ainda lidávamos com a crise de 2008.
A primeira leitura é de que o BC está “segurando” o câmbio, que foi, novamente, acima dos R$ 4, nesta quarta-feira, e que vamos “queimar reservas internacionais”. Essa leitura é fácil e deliciosa, mas como tudo que envolve câmbio, nada é trivial.
Vou fazer aqui o advogado do diabo ou do BC e tentar explicar que essa é uma ação que vem sendo planejada faz tempo dentro da diretoria de Política Monetária e como essa troca de instrumentos – de swaps por dólar à vista – será vantajosa em termos de estabilidade cambial. Por fim, vamos fazer algumas boas especulações.
Motivos
O que o BC está fazendo é uma troca entre os diferentes instrumentos de intervenção em função de uma mudança estrutural na dinâmica do mercado de câmbio.
O diretor de Política Monetária, Bruno Serra, tem falado sobre isso abertamente desde abril deste ano e tanto ele quanto o presidente Roberto Campos Neto vinham enfatizando que o BC não tinha “preconceito” com as diferentes ferramentas de atuação cambial.
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Simplificando a discussão, temos dois grandes novos vetores que impactam na formação do preço do dólar. Primeiro é a troca de endividamento externo por doméstico.
O desenvolvimento do mercado de capitais e a redução dos empréstimos subsidiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) inaugurou uma nova fase do mercado, que está levando as empresas a se financiarem por aqui.
Algo excelente, mas que gera um aumento na demanda por dólares à vista para pagamento antecipado dos compromissos externos. Não por acaso, o fluxo cambial está negativo em mais de US$ 32 bilhões em 12 meses até julho, volume de saída não visto desde 1999. A conta financeira, que capta justamente ingressos para portfólio e investimentos, tem saída de US$ 58 bilhões em 12 meses.
Junto disso, a queda e manutenção da Selic em 6,5% (agora de 6% ao ano), aliada às perspectivas de juros entre 5% e 5,5%, reduziu para mínimas históricas o diferencial de juros doméstico e externo. Isso impacta as operações de arbitragem de taxa de juros, o carry trade.
Exemplo: Com Selic a 14,25% e juro americano em zero, era vantajoso pegar empréstimos nos EUA, internalizar a moeda e comprar títulos brasileiros. O agente dessa operação ganhava esse diferencial de juro.
Agora esse tipo de operação não compensa mais. Não só porque o juro aqui caiu, mas também porque existem novas exigências regulatórias para esse tipo de operação de arbitragem.
Para quem quiser se aprofundar, discutimos detidamente esses fenômenos neste texto aqui, além da possibilidade de venda de dólares à vista, bem como o eventual impacto disso sobre a taxa Selic.
Os leilões
“Considerando a conjuntura econômica atual, a redução na demanda de proteção cambial (hedge) pelos agentes econômicos por meio de swaps cambiais e o aumento da demanda de liquidez no mercado de câmbio à vista, o Banco Central do Brasil comunica que, para efeito de rolagem da sua carteira de swaps, implementará a oferta de leilões simultâneos de câmbio à vista e de swaps reversos.”
Vamos lá. O BC já vinha fazendo a tradicional rolagem dos swaps que venceriam em outubro. Agora ele está falando o seguinte para o mercado: Vou dar a opção de trocar swap por dólar à vista. Quem não quiser, pode seguir com os swaps tradicionais. Também vou dar a opção de “zeragem” de posição para quem tem swap tradicional via swaps reversos.
O montante total das operações será de até US$ US$ 3,8445 bilhões (76.890 contratos) que é o montante de swaps a vencer em outubro. Considerando as condições de mercado, entre 21 e 29 de agosto o BC ofertará diariamente:
- Até US$ 550 milhões no mercado à vista de forma simultânea à oferta de swaps reversos (que equivalem à compra de dólar no mercado futuro)
- Também será feita uma oferta de swap tradicional (venda de dólar no mercado futuro) no montante ofertado e não vendido de dólares à vista, visando complementar a rolagem
No fim desse emaranhado de operações o BC espera que todo o estoque de US$ 3,8445 bilhões que vai vencer em outubro seja rolado por novos swaps ou trocado por dólares à vista. Com isso, a posição cambial líquida do BC não seria alterada.
A posição cambial líquida é basicamente o volume de reservas internacionais descontado do estoque de swaps. Essa posição líquida está na casa dos US$ 326 bilhões. Sendo US$ 387 bilhões em reservas e algo como US$ 69 bilhões em swaps.
Veja os comunicados oficiais aqui e aqui e o voto do diretor Serra sobre o tema aqui.
Destaco, desse referido voto do diretor Serra, a seguinte passagem: "A comunicação adequada ao público será essencial para o sucesso da operação, evitando assim efeitos indesejáveis sobre as variáveis de mercado e sobre a sociedade. No instrumento a ser utilizado para a divulgação das novas diretrizes, o BCB enfatizaria que não está alterando sua política cambial, mas apenas aperfeiçoando o uso dos instrumentos à sua disposição para intervenção no mercado de câmbio, como ação inserida na agenda BC#."
Algumas especulações
Um tema controverso no mercado, na academia e na política é o tamanho das reservas internacionais e seu custo de carregamento. Durante anos, esse “seguro” contra crises externas teve seu custo criticado. Mas seu benefícios são de difícil mensuração, pois não tem como saber qual seria o preço do dólar em caso de crise se não fossem as reservas. Por isso, falamos que usamos as reservas diariamente e nem percebemos.
Exemplo prático e vindo aqui no lado. O peso argentino perdeu 30% do valor na segunda-feira. Será que se a Argentina tivesse US$ 380 bilhões em reservas isso aconteceria? Ou esses dólares “comprariam tempo” para o governo portenho tentar fazer alguns ajustes econômicos?
De forma simplificada, esses US$ 380 bilhões além de ser um seguro contra crises nos compraram tempo para que finalmente o governo começasse a encarar a questão fiscal. A primeira reforma, da Previdência, já saiu, mas faltam outros temas ainda.
Por isso, não dá para criar a expectativa de que o BC vá sair vendendo dólar como se não houvesse amanhã. Mas é possível inferir que o BC dá início a um longo processo de revisão do tamanho das reservas, algo também já comentado abertamente por Campos Neto.
Outro assunto que deve ganhar destaque é o que fazer com o dinheiro que o BC vai receber com a venda das reservas. Há quem defenda investimento em infraestrutura, educação e afins. Mas pelo que se conhece da equipe, qualquer dinheiro extra vai ser usado para abater dívida. Quanto menor a dívida pública, menor o gasto com juro e maior a chance de sobrar recursos, justamente, para saúde, educação e segurança.
Carteira de transgressor
Em evento no Rio Grande do Sul, no começo do mês, o ministro da Economia, Paulo Guedes, falou que reservas internacionais elevadas eram uma espécie de “carteira de transgressor”. Uma ficha de bons antecedentes para ser apresentada todo ano de eleição contra ataques especulativos ou em momentos de crise.
Reservas elevadas, segundo Guedes, foram reflexo, justamente, dos desequilíbrios fiscais e financeiros que o país acumulou ao longo de décadas e da falta de autonomia formal do BC, pois a cada troca de governo não se sabe ao certo qual será a orientação da gestão. Ainda de acordo com Guedes, reservas elevadas são “o preço de manter a tranquilidade”.
Vale lembrar que antes da posse, em 30 de outubro de 2018, Paulo Guedes causou nos mercados ao falar sobre a eventual venda de reservas internacionais. Na ocasião o então futuro ministro condicionou o uso de parte dos US$ 380 bilhões a uma situação hipotética de eventual ataque especulativo, com posterior abatimento de dívida.
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