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Kaype Abreu
Kaype Abreu
Formado em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Colaborou com Estadão, Gazeta do Povo, entre outros.
Entrevista

Criador da CVM diz que mercado brasileiro não precisa de mais regulação

Para Roberto Teixeira da Costa, momento é de libertar a capacidade criativa das pessoas; em entrevista ao Seu Dinheiro, ele fala sobre mercado de capitais, economia brasileira e a figura do analista de investimentos

Kaype Abreu
Kaype Abreu
17 de agosto de 2019
6:01 - atualizado às 16:12
Roberto Teixeira da Costa; primeiro presidente da CVM
Nós temos que libertar a capacidade criativa das pessoas - do contrário, não se produz, diz Teixeira da CostaImagem: Divulgação

Aos 85 anos, o economista Roberto Teixeira da Costa está há poucos meses em um novo local de trabalho. Em uma sala no bairro Jardim Paulista, em São Paulo, o primeiro presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem passado cinco vezes por semana - na maior parte do tempo sozinho - escrevendo artigos e conversando com figuras do mercado financeiro.

Desde os anos 1960, o economista atua na área de mercado de capitais no Brasil, praticamente como um desbravador. Passou pelo alto escalão de empresas como Unibanco, Brasilpar - pioneira na área de capital de risco no país - e, talvez mais importante, criou a CVM, em 1976.

Mas as conversas que Teixeira da Costa mantêm hoje passam longe desse tema. Ele dedica a maior parte do tempo a instituições filantrópicas e que, segundo o economista, promovem o intercâmbio de ideias na América Latina, como o Centro Brasileiro de Relações Internacionais e o Inter-American Dialogue. "Sou uma espécie de ponte entre empresários brasileiros e temas de importância internacional", afirma.

Quando o visitei, há algumas semanas, sua mais recente preocupação era a situação de venezuelanos em Pacaraima (RR), município brasileiro que faz fronteira com o país em crise. O economista se preparava para uma viagem a Roraima, com o objetivo de conhecer o trabalho do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), das Nações Unidas, na região. A ideia era, voltando a São Paulo, sensibilizar empresários para que eles ajudassem financeiramente a causa.

“O Walther Moreira Salles uma vez me disse que, num país como o Brasil, é um crime você não ajudar as outras pessoas”, conta sobre uma conversa com o banqueiro e diplomata, nos anos 1970. Na ocasião, Costa ainda trabalhava no Unibanco e acabara de ser convidado para estruturar a CVM.

Apesar da mudança no foco, Teixeira da Costa continua acompanhando de perto o que acontece nos mercados. Apesar das inúmeras inovações recentes, o primeiro presidente da xerife do mercado de capitais entende que o setor não precisa de mais regulação.

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"Nós já temos lei e regulamentos em quantidade. Precisamos é que as leis e regulamentos sejam obedecidos", afirma. Para Costa, o momento é de "libertar a capacidade criativa das pessoas".

Em entrevista exclusiva ao Seu Dinheiro, o autor de, entre outros, Valeu a Pena! Mercado de Capitais: Passado, Presente e Futuro (Editora FGV, 2018), fala sobre os momentos mais marcantes da sua trajetória, intrinsecamente ligada ao mercado e a economia brasileira, comenta sobre o cenário político e o surgimento de novos ativos.

Leia abaixo os principais trechos da conversa:

Desafios da carreira 

Quando eu comecei a trabalhar [1958], ouvi que a função mais nobre de um banqueiro de investimentos é avaliar uma empresa. É algo muito difícil. Quais parâmetro você usa? Rentabilidade futura? Inflação? Como você faz isso a curto prazo? Nos EUA, tem empresa negociada que você não consegue nem projetar os múltiplos - a Amazon, o Facebook, com PLs infinitos. No entanto as pessoas apostavam que essas empresas iam ter uma rentabilidade que ia superar totalmente essa projeção. Basicamente, você comprando ações você está comprando o futuro. Uma das coisas que nós lutamos muito era para que as pessoas comprassem a ação não na expectativa da rentabilidade imediata, mas no fluxo futuro de dividendos. 

Dificuldades atuais 

Diferentemente de 40 anos atrás, como analista de investimento, o problema não é achar informação: é filtrar o excesso. Há até informações que são soltadas para te induzir a informação errada. Daí a importância do profissionalismo na área. Outra grande dificuldade é avaliar fatores que o acionista não pode verificar. Brumadinho, por exemplo. Qual analista podia ter tido a percepção dos riscos? BRF: que acionista podia ter a percepção de que a China cortaria a compra de produtos por causa do risco de contaminação? A ciência do mercado de ações é diversificação. Você tem que comprar empresas que comprovadamente tem uma boa gestão, aberta, transparente. E não se iludir com expectativa de rentabilidade a curto prazo. Outra coisa: tomou a decisão e viu que estava errado? Realiza seu prejuízo. 

Regulação do mercado 

Fizemos muitos avanços. Mas os mercados estão mudando numa velocidade incrível. Acho que, à medida que essas evoluções forem acontecendo, você tem que ajustar a regulação. Quando eu fui presidente da CVM, por exemplo, os mercados futuros praticamente não existiam. Aí o investidor estrangeiro era uma coisa invisível. Os grande avanços na regulação do brasil aconteceram quando o investidor veio para cá e trouxe com ele a necessidade de melhorar a regulação.

Capacidade criativa

A regulação tem que ser fato posterior, não anterior. Você cria a regulação quando sente necessidade. Nós temos que libertar a capacidade criativa das pessoas - do contrário, não se produz. O Brasil não precisa de mais regulação nesse sentido. Nós temos lei e regulamentos em quantidade. Precisamos que as leis e regulamentos sejam obedecidos. Veja a caso do desmatamento: o Brasil tem a legislação mais avançada nesse quesito. Mas não tem fiscalização. 

Criptomoedas

O bitcoin é um ativo financeiro ou uma moeda de transação? Eu acho que está muito mais pra uma moeda de transação do que um ativo financeiro. Como que eu vou projetar a rentabilidade futura do bitcoin? O Facebook vai lançar a Libra. É uma coisa diferente. A libra vai ser lastreada numa cesta de moedas. Não é uma coisa lançada ao acaso. Tem que analisar individualmente.

Brasil hoje 

Vou a reuniões internacionais e fico pasmo das pouco interesse do Brasil em assuntos do interesse global. Não nos damos conta da nossa importância. Bem ou mal temos a quarta extensão territorial do mundo e 230 milhões de habitantes. Não podemos nos esconder no Atlântico Sul e achar que o mundo está nos esperando. Mas pra isso precisamos olhar pra frente. Não ficar mexendo em coisas que não tem importância: armamento civil, por exemplo, não é uma questão contemporânea. Por que os chineses estão tão desenvolvidos?  Planejamento estratégico. Eles sabem onde querem chegar. 

Novo desafios econômicos

O Brasil precisa ter engenheiros de tecnologia. É algo que me assusta muito: hoje tem 13 milhões de desempregados. Mas imagine quando a inteligencia artificial e robótica estiverem mais desenvolvidas por aqui. É preciso treinar a mão de obra para um novo ciclo de desenvolvimento.

Petrobras

A Petrobras é de uma força impressionante. O que essa empresa sofreu poucas companhias do mundo teriam sobrevivido. Saber que estão explorando três vezes mais o pré-sal do que eles imaginavam... E é uma tecnologia praticamente toda desenvolvida no Brasil. Olha a porrada que essa empresa levou, o dinheiro que saiu pelos ralos da companhia e ela está firme. Isso por conta do corpo técnico, que é fantástico. 

Papel do BNDES

No passado havia uma crítica muito forte de que o BNDES mitigava o funcionamento do mercado de capitais. As empresas achavam mais cômodo ir diretamente ao banco do que ao mercado de capitais. Mas a partir do momento em que você fecha essa porta, as pessoas tendem a ir para o mercado de capitais - que sempre foi muito oprimido no Brasil por causa da inflação. As empresas preferiam recorrer ao banco e isso acontecia por três motivos. Primeiro, você concorrer com títulos do governo indexados a inflação era desleal. Segundo: volume. O BNDESPar tinha condições de aportar volumes muito maiores. E terceiro, porque algumas empresas preferiam lidar com o banco do que lidar com o mercado como um todo. Abrir capital é um processo traumático: você está acostumado a tomar decisões solitárias e no dia seguinte você não é mais dono da empresa sozinho.

Oportunidades perdidas

Num passado recente, tivemos o chamado "milagre econômico". O primeiro mandato do FHC e o governo Lula, que internacionalmente foi uma grande surpresa. Ninguém imaginava que o Lula seria protagonista externo tão importante como ele foi. A maior crítica que eu faço ao Lula é que no mandato dele havia a faca e o queijo na mão: podia ter acelerado as reformas porque ele tinha o poder de fazer essas coisas. Mas a vaidade foi maior. As desigualdades diminuíram muito, desemprego também baixou. Mas ele deixou uma herança ruim. 

Bolsonaro 

O discurso do Bolsonaro é algo que pode afetar a confiança. Não sei se é uma questão importante nos EUA por conta de Trump. Mas certamente na União Europeia, com a questão do Fundo Amazônia, por exemplo. Agora discute-se o acordo com do Mercosul com o bloco europeu. Mas é bom lembrar que o acordo ainda tem que passar pelo parlamento europeu. Novamente a questão ambiental pode ser uma pedra no nosso sapato.

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