Volatilidade nos mercados veio para ficar
Trégua ensaiada entre os protagonistas do nervosismo recente nos negócios locais não é garantia de retomada firme dos ativos brasileiros
O mercado financeiro brasileiro recuperou-se ontem das fortes perdas no dia anterior, em meio aos sinais incipientes de arrefecimento da crise política entre Congresso e governo, mas os investidores devem manter os cintos afivelados, pois a volatilidade veio para ficar. Apesar da trégua ensaiada entre os protagonistas do nervosismo recente nos negócios locais, a chance de uma retomada firme dos ativos é pequena e a história no segundo trimestre pode ser bem diferente do apetite por risco visto nos três primeiros meses deste ano.
Afinal, a confiança do mercado financeiro no governo Bolsonaro já não é tão forte como era. O temor dos investidores vem do desgaste na imagem do presidente após as rusgas entre os poderes, que podem contaminar a opinião pública, e na perda de força do Executivo no Congresso, minando a já frágil coordenação política.
O principal receio é com o impacto desses vetores na reforma da Previdência. Neste último dia útil do primeiro trimestre, é cada vez menor a chance de aprovação da proposta de novas regras para aposentadoria no Congresso ainda neste semestre. Na melhor das hipóteses, existe a possibilidade de votação da proposta na Câmara até junho.
Para isso, o clima em Brasília precisa melhorar e o foco do Palácio do Planalto deve estar mesmo centrado na questão da Previdência, jogando junto com o Congresso na conquista dos votos necessários para aprovar a matéria, em dois turnos. Trata-se de uma tarefa árdua, mas ainda é possível apostar na aprovação neste ano, nas duas Casas.
Assim, os investidores devem adequar seus portfólios ao ambiente político mais desafiador, mas sem perder o otimismo. Ainda é cedo para não acreditar na aprovação da Previdência. Nesse cenário, a ideia central é manter uma posição de valorização da Bolsa, mas ajustada a um cenário de maior volatilidade - e, portanto, com proteção (hedge) em dólar.
Já a Selic deve ficar estável por um período prolongado, com a taxa estacionada em 6,50% ao menos até alguma sinalização firme em relação ao andamento das reformas. Na primeira coletiva de imprensa ontem, o novo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, não saiu “um centímetro” do que está sinalizado nos documentos da autoridade monetária.
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Mas não há tendência clara ainda para o mercado doméstico. Por isso, não se deve assustar muito em momentos de piora, nem animar-se demais em tempos de euforia.
Exterior comanda
Diante desse cenário local, é o exterior que deve comandar o rumo dos mercados domésticos. E os sinais são de que a inversão da curva de juros em vários países sugerem que os negócios com ações atingiram o pico de valorização, cabendo, portanto um ajuste nas bolsas, liderado por Wall Street.
Apesar de, tradicionalmente, o movimento antecipar cenários de recessão econômica à frente, desta vez, a indicação pode ser outra. Uma curva de juros invertida ocorre quando o rendimento (yield) dos bônus mais curtos é superior ao dos títulos mais longos. Trata-se de uma dinâmica que sugere que o crescimento econômico será mais fraco.
Mas mesmo diante do temor de desaceleração econômica global, é a liquidez ainda abundante de recursos pelo mundo que tem feito com que as ações se valorizem até atingirem novos picos, ampliando o rali por ativos de risco. O problema é que tal comportamento não combina com a expectativa de perda de tração da atividade mundial.
Afinal, os dados econômicos mais fracos sugerem que o lucro das empresas (e o retorno aos acionistas) diminua. Ainda assim, enquanto o yield do título norte-americano de 10 anos (T-note) está na faixa de 2,40% nesta manhã, os índices futuros das bolsas de Nova York seguem em alta, reforçando a recuperação firme neste último dia do primeiro trimestre.
Na Ásia, as principais bolsas também fecharam no positivo, com destaque para o salto de 3,20% em Xangai. O movimento refletiu as renovadas esperanças nas negociações comerciais entre Estados Unidos e China, com a nova rodada de conversas chegando ao fim hoje em Pequim. Mas as tratativas devem ser prolongadas por semanas - ou meses.
Na Europa, as principais bolsas também tiveram uma abertura no azul, neste dia decisivo para o Reino Unido. O Parlamento britânico vota hoje, pela terceira vez, a proposta da primeira-ministra, Theresa May, sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (UE). O bloco comum europeu, porém, já se prepara para um Brexit sem acordo.
À espera de um desfecho, a libra esterlina é pressionada e vai na contramão das demais moedas em relação ao dólar. O euro e o iene ganham terreno, assim como o dólar australiano. Já a lira turca segue em queda. Nas commodities, o petróleo avança, apesar do presidente Donald Trump pedir para o cartel de país produtores (Opep) elevar a produção.
Mês acaba com agenda cheia
A agenda econômica desta sexta-feira mantém o ritmo acelerado observado nos últimos dias e está novamente carregada hoje. No Brasil, saem os índices de confiança nos setores industrial e de serviços em março (8h), além dos dados atualizados da taxa de desemprego até fevereiro (9h).
Apesar da geração de quase 200 mil postos de trabalho formais no país no mês passado, na maior alta em quatro anos, o total de trabalhadores desocupados no país deve seguir elevado, em mais de 12 milhões de pessoas, com a renda média ainda reprimida, ao redor de R$ 2,3 mil por mês. Ainda na agenda local, saem os dados fiscais em fevereiro (10h30).
Já no exterior, merecem atenção dados de atividade na Alemanha e no Reino Unido, logo cedo. Nos EUA, merecem atenção os números sobre a renda pessoal e os gastos com consumidor em fevereiro (9h30), além de dados do setor imobiliário (11h) e da leitura final deste mês do índice de confiança do consumidor (12h).
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