Como o ressentimento derrubou os planos da Amazon em Nova York
Howard Marks, da Oaktree, discute o poder do populismo de esquerda em distribuir igualmente a miséria
O renomado gestor da Oaktree Capital, Howard Marks, dedicou seu último “memo” a mostrar como a crescente retórica anticapitalista pode colocar um fim ao “milagre americano” e usou como exemplo o caso da Amazon e sua tentativa frustada de ter uma nova sede em Nova York.
Marks e sua equipe administram US$ 120 bilhões e são famosos pelo estudo dos ciclos econômicos e pela capacidade de antever crises como a de 2008.
No começo do ano, o gestor já tinha escrito sobre como a elevação da maré econômica dos últimos dez a 20 anos não tinha sido capaz de “elevar todos os barcos”. Essa insatisfação com a distribuição da riqueza é o que estaria dando fôlego ao crescimento do populismo de esquerda e da ascensão do sentimento anticapitalista.
Segundo Marks, parte do sucesso desse populismo está na habilidade retórica de seu discurso, com mantras como “eles têm demais”, “o sistema está corrompido”, “eles chegaram lá trapaceando” e “os ricos não pagam uma fatia justa de impostos”.
“Palavras de ordem como essas encontram audiência receptiva entre pessoas que estão insatisfeitas com a sua sorte, ao passo que detectar os erros nestas afirmações requer uma visão, um sentido da história e uma compreensão da economia que muitas pessoas não possuem”, escreve Marks.
Em sua carta, o gestor cita o colega da Bridgewater, Ray Dalio, que também tratou do assunto em artigo recente. Segundo Dalio, disparidade de renda, especialmente quando acompanhada de disparidade de valores, leva a conflitos crescentes e, no governo, isso se manifesta na forma de populismo de esquerda e populismo de direita.
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Como regra, segue Dalio, o populista de direita (que geralmente é capitalista) não sabe como dividir bem o bolo, enquanto o populista de esquerda (que geralmente é socialista) não sabe como fazer o bolo crescer.
Esse debate, segundo Marks, permeou as eleições americanas em 2016, com Donald Trump representando o populista de direita e Bernie Sanders o populista de esquerda, e tem se intensificado.
Marcando sua posição e ecoando também o que disse Dalio, Marks afirma que o capitalismo criou o maior bolo da história nos EUA, representado pelo maior PIB do mundo e um dos maiores PIBs per capta.
“E apenas o capitalismo vai continuar fazendo esse bolo crescer. O fracasso de sistemas não capitalistas em produzir crescimento econômico e prosperidade é bem documentado”, afirma.
Os vícios do capitalismo e socialismo
Obviamente, diz Marks, quando o bolo é dividido sob um regime capitalista nem todo mundo fica com uma fatia igual. Essa é a ideia fundamental do famoso discurso de Winston Churchill, feito em outubro de 1945:
“O vício inerente do capitalismo é a distribuição desigual de benesses”.
No regime capitalista, as maiores fatias do bolo vão, por exemplo, para aqueles que são mais inteligentes, mais talentosos, que trabalham mais e, também, para aqueles que simplesmente têm mais sorte ou nasceram na riqueza.
Segundo Marks, as primeiras três explicações são geralmente consideradas válidas, a quarta (sorte) não é e a última (nascimento) é que põe as pessoas a brigar.
Os ganhos produzidos pelo capitalismo derivam e são inseparáveis da oportunidade daqueles que são mais inteligentes, talentosos e mais esforçados de ficarem com uma fatia maior do bolo.
E o que o populista de esquerda quer? “Em linhas gerais, uma distribuição mais ‘justa’ dos resultados. Mas eles falam relativamente pouco sobre como expandir o bolo e muito sobre como dividi-lo de forma justa”. Aqui que entra outra frase famosa de Churchill:
“O vício inerente do socialismo é a distribuição igual das misérias”.
Na visão de Marks, muitas pessoas não conseguem entender o papel do capitalismo na criação da riqueza que os americanos têm hoje. Outros avaliam que o capitalismo que trouxe a América até aqui funcionou bem, mas não é mais necessário, que temos de pensar em uma distribuição mais justa. E um terceiro grupo acredita que a divisão igualitária é mais importante que a criação de prosperidade.
“O socialismo sobrepõe considerações sócio-políticas a um sistema econômico, de modo que a igualdade é colocada acima do interesse próprio e da motivação individual. Já o capitalismo omite essa ênfase”, explica Marks.
A discussão de Marks faz lembrar uma constatação de Roberto Campos sobre a baixa capacidade do capitalismo em produzir mitos. O capitalismo produz resultados. Já o socialismo é pródigo em gerar mitos, mas não entrega resultados.
O bolo da Amazon
Todo esse preâmbulo se faz necessário para chegarmos a um exemplo contemporâneo dessa discussão: a busca da Amazon por uma localidade para a nova sede, um segundo QG.
Um total de 238 cidades e localidades enviaram propostas, apresentando suas vantagens e algumas oferecendo benefícios fiscais. Em novembro, a cidade de Long Island no Queens, Nova York, foi a escolhida.
O “bolo” da Amazon era um investimento de US$ 2,5 bilhões, cerca de 25 mil empregos diretos (sem contar os indiretos de construção, comércio local e afins) e US$ 27 bilhões em receita tributária num período de 25 anos. Na “conta” da cidade, um benefício fiscal de US$ 3 bilhões em créditos tributários e subsídios.
Mas em 14 de fevereiro, o plano ruiu. Os sindicatos se opuseram ao negócios citando a política da empresa de desestimular a sindicalização de funcionários. Políticos gritaram contra o subsídio e o ressentimento foi incluído ao processo na figura de um artigo falando que a empresa gerida pelo “homem mais rico do mundo”, fazendo um leilão de cidades e faturando US$ 3 bilhões do público, era um triste exemplo do poder das atuais empresas.
Aqui surge a figura da congressista e expoente dessa esquerda, Alexandria Ocasio-Cortez, que fez ferrenha oposição ao negócio nas redes sociais, falando que a ideia de dar benefício à empresa mais rica do mundo seria desistir de mais escolas. Alexandria também comemorou a desistência da Amazon, dizendo que a “ganância” da empresa foi derrotada, assim como o “poder do homem mais rico do mundo”.
“Em outras palavras, a resposta da esquerda ‘progressista” foi que Amazon poderia pegar os empregos que seriam gerados em enfiá-los...”, escreve Marks.
Marks pontua que não tem nada contra Alexandria, mas que ela personifica o que ele tenta combater. “Ela não entendeu absolutamente nada. Não havia US$ 3 bilhões em uma conta, esperando para serem gastos em subsídios para Amazon ou para melhorar os serviços para os cidadãos de Nova York. Os US$ 3 bilhões não seriam um desvio de recursos de outras finalidades para a Amazon.”
Marks questiona se Alexandria não entendeu o negócio mesmo ou se ela ignorou os fatos em favor de uma retórica calculada para estimular o ressentimento e ganhar votos. “Que explicação você considera preferível?”
Segundo Marks, as manifestações políticas, não só de Alexandria mas de outros políticos da mesma linha, são todas calcadas no ressentimento com relação à riqueza da empresa e de seu proprietário, Jeff Bezos, e em quão injustificados os subsídios seriam.
Não houve, segundo Marks, nenhum comentário sobre a perda de empregos potenciais e sobre os benefícios que a cidade de Nova York teria com tais investimentos.
“Nova York teve a grande chance de fazer o bolo crescer, mas a esquerda populista encontrou uma forma de afundar o negócio”, diz Marks.
Outro exemplo de como canalizar o ressentimento contra os ricos, diz Marks, são as discussões sobre cobrar imposto sobre segundos ou terceiros imóveis (pied-à-terre tax), assunto que ganhou força depois que um gestor fechou a compra de um imóvel por US$ 228 milhões em Nova York.
“A retórica da extrema esquerda se baseia no ressentimento e desigualdade e é facilmente engolida. Mas suas políticas são mais propensas a dividir a miséria do que a expandir as benesses, mesmo que desiguais”, diz Marks.
Cadillacs e Rolls Royces
Para encerrar o texto, Marks descreve uma conversa que teve com um amigo há cerca de 50 anos sobre o que tornou a “América grande”.
- Quando um trabalhador britânico vê seu chefe indo embora em um Rolls Royce, ele diz: “Gostaria de colocar uma bomba nesse carro”. Mas quando um trabalhador americano vê seu chefe saindo em um Cadillac, ele diz: “Algum dia vou ter um carro como esse”.
Hoje, diz Marks, poucos americanos acham que eles devem ter aquele Cadillac. Extrapolando essa lógica, isso tem o potencial de colocar um fim ao milagre Americano.
"Assim, as empresas devem fazer tudo a seu alcance para barrar a tendência de salários estagnados e desiguais. Não apenas para serem justas ou generosas, mas para garantir a perpetuidade do modelo que nos trouxe até aqui”, conclui Marks.
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